quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

esta vida branca
como uma tela
imaculada

como uma obra
nunca realizada

branca
como a neve
cujos cristais
únicos e irrepetíveis
caiem
derretem-se
e desvanecem-se
na memória

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

não há tempo, não há descanso
para deixar florescer o sentimento
da necessidade de fuga

não há "aquele" momento,
a fugidia hora
em que emergimos
para respirar

não há nenhuma reverberação
que perturbe o silêncio
instalado entre estas
paredes

só há aquele desespero,
aquela angústia,
a ázima raiva
silenciosa

só há a lenta e opressiva
caminhada do relógio
de regresso ao ponto
de partida.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

é um lugar morto, aquele
em que eu deposito as minhas
memórias.
um lugar vazio que apenas contabiliza
as minhas regulares visitas.

as coisas são como são, eu não
sou uma coisa por isso limito-me
a não ser,
a continuar, a persistir, talvez
estupidamente, a desabafar.

triste reflexo desta a-sociabilidade
tão profundamente entranhada
como a pele que eu visto.

não tenho um conceito de escrita, tenho
um conceito de vida
e tudo o que me impele orbita
em torno do mesmo objectivo.

estou à espera do alinhamento planetário
do momento
em que uma única linha recta trespassará tudo
em direcção ao centro.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

sei as sombras que guardamos no mais recôndito de nós,
conheço todo esse ímpeto de destruir que escondemos
repetindo continuamente que tal desejo não é real,
apenas fruto de alguma mente doente,
e digo-te que o mundo enlouqueceu e apenas nós o sentimos
de cada vez que escolhemos violar a sacralidade
de trilhar o nosso próprio caminho.

sei que a vida não o é sem dor
e que apenas em nós reside o divino
e digo-te que nenhuma recompensa eterna
coroará o teu sacrifício.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

fixo na ausência do tempo os trajectos para o mesmo destino
suspenso neste estado de perpétuo adiamento
perdido em caminhadas convergentes para um nulo centro.

circunscrevo o objectivo.
sou um cometa em trajectória rasante
falhando sempre por escassa distância
o âmago.

aguardo permanentemente o choque.
fundo uma cultura de destruição e projecto
os monumentos que deixarão a sua prova de vida.

confino-me ao silêncio, aos diálogos com as paredes nuas,
onde vou destruindo, uma após a outra, todas as fortalezas
de dogma.

rebaptizo-me em negrura, coroo-me divino.
sou o adversário, o oponente. chama-me legião, pois eu
sou muitos e nós aguardamos...

aguardamos afiando as facas, aguardamos
que a fénix se erga, e à trémula luz das chamas
possamos procurar a liberdade...

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

acordas, sais, chegas ao emprego,

trabalhas, sais, chegas a casa,

dormes, acordas, sais, não chegas a lugar nenhum,

trabalhas, sais, foges para esquecer que os dias se repetem

até à náusea,

reduzes o período de sono, acordas esgotado,

sais, chegas a um buraco de nulidade,

passas o dia alheio, sais, viajas para o sonho,

não chegas ao sonho, desistes, vais dormir esgotado,

acordas cansado, sais, chegas, a quê? não sei,

ficas por lá, sais, regressas ao esquecimento,

e o que ias fazer hoje? pois, também não sei,

adia-se mas não faz mal é sempre assim,

pousas ao de leve na cama, arrastas-te para fora dela,

sais, para onde vais? é sempre o mesmo,

chegas, ficas , partes mas nem por isso,

chegas, deambulas, esqueces, adormeces, acordas, sais,

começas a notar algum padrão? chegas,

começas a sentir algum desespero? sais,

será apenas isto? chegas, será apenas isto? dormes,

não há respostas, acordas, não vês soluções, sais,

chegas, dormes, acordas, sais, chegas, acordas, partes, dormes, sais, chegas, acordas,

tudo igual, tudo igual, tudo igual,…

... … … … … … … … …

vives na expectativa de um dia conseguires fugir a esta loucura inútil que apenas te cerceia as capacidades que sabes ter mas das quais nunca usufruis

perdido num dia-a-dia de nulidade em que apenas sentes os muros que te cercam a adensarem-se cada vez mais enquanto a tua intensidade cresce

forçado a um definhamento que viola o mais profundo dos teus sonhos, e quantos outros viverão esta estupidez, este insulto, de se conformarem

a uma vida de mediocridade com o único intuito de conseguir sobreviver quando a sobrevivência não passa de um fraco substituto de uma verdadeira vida

vivida no mais pleno das suas aptidões das suas aspirações, entregue a um estado onde não existe evolução não existe desafio nem compensação

que justifique qualquer empenho que se possa ter mas o qual incrivelmente ainda é esperado e ainda por cima até exigido

e que solução é que tens em vista quando ironicamente cais num buraco que nem novas oportunidades nem ingressos especiais na universidade contemplam

e mesmo que contemplassem o que irias fazer se a merda do ordenado nunca chega ao fim do mês quanto mais para pagar propinas

de um curso findo o qual ainda não terias obtido as “cunhas” necessárias para arranjar um emprego neste filho da puta deste país

que continua a arrastar-se num lamaçal sem solução à vista enquanto todos os meses nos vendem a ideia que o desemprego diminuiu, e no entanto

toda a realidade que constatas diariamente contraria isso, e isto não é nenhum delírio isto é a vida que eu enfrento é aquilo que eu vejo

quando vou no autocarro, quando ouço as pessoas, quando constato a quantidade de fábricas que eu já vi fecharem e penso no que isso se salda

em termos de vidas humanas, em famílias atiradas para o sobreendividamento sem solução à vista

e no meio de toda esta realidade de todo este duche frio de vida o que resta para a poesia, para sonhar, para viver,

e isto nem sequer tem pretensões de ser poesia isto é a vida, vida sem auto-censuras sem métricas sem preocupações nem rimas

vida sem floreados em que contas os teus problemas por metáforas, vida sem figuras de estilo sem nada

a realidade escarrapachada aqui com toda a crueza da linguagem, com os caralhos que usamos o fodidos que estamos e a puta que os pariu que berramos

desesperados por não vermos solução neste caralho deste ardil em que nos metem e que dizem que faz bem à economia

enquanto nos fodem os direitos que outros antes de nós tanto sangraram para obter e nós de braços cruzados sem fazer a ponta d’um corno

e como bons portugueses lamuriamo-nos que esta merda nunca mais melhora e que nos outros países é que é enquanto nos esquecemos

que nos “outros países” se tira cú do sofá e se vai para a rua para fazer alguma coisa e nós por cá orgulhamo-nos de ter feito uma revolução

em que quase não se disparou um tiro quando devíamos era ter tirado a tosse a uma data de filhos da puta

e se calhar assim as coisas até tivessem melhorado um bocadinho, mas não, preferimos ficar nos nossos brandos costumes

que disfarçam o nosso real conformismo e a falta de vontade de fazermos alguma coisa que realmente provocasse uma mudança

ou se calhar não, porque sinceramente às vezes duvido que teríamos capacidade para realmente mudar o que quer que seja,

e enquanto oscilamos entre estas indecisões que não nos levam a lugar nenhum só nos vamos enterrando mais e lavando as nossas mãos da responsabilidade que possamos ter

mas também ao fim e ao cabo acabamos por nos ver tão presos e angustiados em conseguir aguentar tudo com que nos deparamos diariamente que nem nos afastamos

para conseguir obter uma panorâmica maior de tudo isto em que estamos enfiados mas também é suposto ser mesmo assim

para que não nos comecemos a dar ao trabalho de questionar uma série de coisas que não é suposto questionarmos

e aliás até deve ser por isso que cada vez se aposta menos em disciplinas do pensamento porque já sabemos aonde é que isso levaria

e até fazem bem e têem um terreno fértil para isso na tradição cultural deste país que se exprime tão bem em todas as vezes que me dizem

“não penses que não vale a pena” e ao que eu respondo “se a opção é não pensar e tornar-me igual ao que eu vejo à minha volta então não obrigado”

mas obrigado vou sendo a aguentar isto porque no fim de contas não existem propriamente alternativas viáveis e parece que toda a gente menos eu consegue arranjar empregos melhores

sem que isso signifique necessariamente que sabem mais ou que sejam melhores no que quer que seja mas enfim é a merda da sorte

que vá-se lá saber porque raio nunca quis nada comigo quando eu até nem me importava de ter um tórrido caso com ela mas enfim

a sorte é uma puta que se dá ao luxo de escolher os seus amantes e aparentemente eu não devo despertar grande interesse para tal

e com esta conversa lá pareço estar eu de novo a lamentar-me quando na realidade não, estou apenas a relatar os factos que vejo à minha volta

como se isso importasse, como se fizesse alguma diferença o que quer que eu possa estar aqui a dizer

já sabemos como as coisas funcionam e isto não conduz a nada e de pessoas em pior estado que eu está o mundo cheio

pessoas que apenas se preocupam em chegar ao dia seguinte e não podem estar cá com mordomias de se sentarem para escrever sobre isso

e se o fizessem será que quereríamos saber porque no fundo a dureza dessa realidade estilhaçaria por completo o bem-estar que usufruímos

e realmente isto é cada vez menos poesia isto é um manifesto isto é um instantâneo isto é um fragmento da vida

registado no início do século vinte e um, em dois mil e sete para ser mais exacto, algum tempo depois de eu ter completado trinta e quatro anos

uau, trinta e quatro anos, sempre pensei que as coisas seriam bem diferentes quando tivesse esta idade mas, hei, toma lá disto para veres o que é bom

e para a próxima vê lá se tomas resoluções melhores na tua vida, azar do caralho porque só vivemos uma vez e eu até nem acredito em deus

e é por essas e por outras que acabo sempre duplamente fodido porque nem o raio do consolo espiritual tenho para justificar o que quer que seja

e tudo isto está aqui a ser disparado em catadupa numa autêntica vertigem e isto nem sequer é uma voz do abismo

isto é o abismo, sem floreados esotéricos, sem misticismos, apenas o grandessíssimo buraco sobre o qual caminhamos

e que nem sequer sabemos quando termina, e mesmo terminando, tal como isto aqui até quero ver quem é que vai aguentar até ao fim

sim porque correndo bem ou não é sempre para lá que caminhamos sempre sempre inevitavelmente para o… fim.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

um murmúrio faz-se anunciar, como um prenúcio
da tempestade que se avizinha.
ao contacto com as cordas a avassaladora força do som
preenche o vazio evocando a fúria da criação.
a reverberação faz a nota distender-se almejando o infinito.
a mão ataca uma e ainda outra vez, numa cadência
que nenhum metrónomo dita, e que apenas busca
o contacto com as mais primordiais forças em acção
repetindo entoações como num mantra
cuja intensidade cresce tenuemente até nos envolver por completo
num ritual xamanístico com a guitarra
onde se alcança a comunhão com esse monolito sónico
que atravessa toda a existência desde tempos primevos.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

escuto a voz do silêncio, a ausência de quem parte,
e ouço o frio que se avizinha no prenúncio dos dias.
sinto o abandono roçar ao de leve a sua asa
e projectar-se na distância que cria.

sei que no fim estaremos sós, na derradeira viagem,
e que o vazio sentido na vida perfila o vazio da morte,
acolhedora na sua nula essência.

tudo se processa aqui, neste lapso temporal que baptizamos de vida,
toda a paixão, todo o ódio, todo o sonho, toda a tristeza.
o desconhecido é o dia-a-dia, a sua incerteza.

no fim a morte recebe-nos na frieza do seu abraço
e concede-nos a chave para a sua mansão,
onde esvaecemos no oblívio, no nada absoluto,
no repouso...

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

habito no silêncio, mais que um refúgio ele é
uma constante. mais uma dessas constantes que
juntamente com a solidão se entranha, me separa,
para o pior, fazendo-me sentir só, no meio da turba.

este silêncio em que continuamente peso e repeso
decisões tomadas ou não, que sempre me trouxeram
hipóteses perdidas e realidades não desejadas.
e essa solidão feita de beijos ausentes e carícias
perdidas para não mais voltarem, deixando apenas
a sua teimosa memória e a reluctância de constatar
que a vida já não é mais a mesma, que os anos passaram
e que o futuro jamais será igual.

detenho-me nas multidões olhando em redor em busca,
nos rostos que perscuto, de alguma anuência, um
reconhecimento, desses que nunca consigo obter.
mas, na realidade, estou sempre para lá da barreira
da invisibilidade, da frieza, em que este mundo
há muito se tornou.

esta vida sem norte, terrivelmente vivida aquém
das capacidades, das promessas, dos anseios,
com valor reconhecido por quem nada pode fazer,
esta vida, esta mesma, encontrou motivos para
o seu definhamento, a sua nulidade, quando tudo
deveria ditar o seu término.

por vezes cansam-me, enfurecem-me, estes monólogos
feitos de negrura que vou deixando pontuando momentos
plenos de uma quase ausência de comentários.
irónica marca de uma existência de vazios,
de sensações semi-vividas, de objectivos adiados
sine die. sic itur ad astra, sic itur ad nihil.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

fotografo com a mente a minha permanência no teu corpo
e revivo durante o dia a visão desse eclipse.
pressinto na tua pele esse desejo que aguarda
oculto na alva beleza desse místico contorno
onde me perco, onde me encontro.

esse terno abismo de celebração da vida
vulvar templo de um culto ancestral
revelado no forte pulsar deste sangue
que dilata, inebria, embala na sua magia carmim.

somos eternos viajantes, exploradores na demanda
da feérica revelação que incandesce as falésias abissais,
nos ergue das profundezas, num grito que surge
de secretos reinos que nos recebem numa luz brilhante,
onde és deusa, minha consorte, e somos estrelas no firmamento.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

partes com destino a todo o lado
sem nunca chegares a parte alguma.
és da geração esquecida, perdida.

catapultas os teus objectivos para lá
de horizontes longínquos e corres
atrás deles num trajecto de destroços
findo o qual te debates
com a intransponibilidade da barreira última.

tens um oceano de possibilidades
num mundo de restrições regido
por valores incompreensíveis no seu fundamento,
no seu funcionamento.

arde em ti a chama, aquela
que tantos almejam sem alcançar.
aquela, que não te alumia mas
te consome.

prossegues a tua caminhada na ausência, na incerteza
do porvir e das formas de que ele se reveste,
com a errância entre os teus fragmentos
como única constante nesta caótica equação.

sábado, 29 de setembro de 2007

e o que te deténs a contemplar na brevidade
das horas mortas do dia?
o desvanecer de sonhos, o abandono de objectivos?
todo o negrume em que te afundas e te tolda
os movimentos em direcção à costa

e o fúnebre silêncio em que te encerras o que alberga?
a chave para a tua obra e a tua suprema mácula
essa eterna sensação de derrota a partir da qual
crias enquanto asseguras porém a tua
queda

quantos fragmentos de ti tens de gerir
enquanto o todo aguarda na sua
sempiterna condição de esquecido?
como poderias contabilizar a enormidade
das horas de sono perdidas pelo terror
que te impele nessa busca insana
ao mesmo tempo porém que
esgotado te entrega ao leito ainda vazio
dos objectivos alcançados

cruel ironia ao nesta fuga do vazio presenciares
o teu próprio ocaso
como se um corpo não desejado se colasse a ti
continuamente segredando-te na sua lascívia:
"não importa o que faças ou tentes fazer
tudo é em vão e coroado pelo fracasso"

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

detenho-me a contemplar esse horizonte de alvura
sinuoso no seu contorno que alberga mistérios mil.
percorro todos os trajectos do prazer até ao centro
onde a carne rosada se expande para me beijar docemente
no momento em que dois mundos colidem, se unem
por esse fragmento de ígnea terra de ninguém
onde não sou mais eu, não és mais tu
perdidos nesta dança onde contemplamos
a primeira aurora, o crepúsculo, o abismo

terça-feira, 25 de setembro de 2007

tacteio a tua ausência, esse lugar
vazio dos desejos que preenchem
as horas que separam o repouso
feito de afagos, suor e a ondulação
dos corpos na incansável busca
por um momento cristalizado
feito de eternidade

e nessa ausência inscrevo, catalogo
todos os fracassos que marcam
esta caminhada que empreendo
abalado pela constatação
da sempre inerente derrota

essa ausência que preencho
com a esperança, os sonhos
acumulados ao longo de anos
de um dia tactear essa geografia
de desejos, realização, presença
e encontrar aí o refúgio que sacie
toda a dor que me encontra

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

sou a sombra que te aguarda
sou a chama que não se apaga
sou o fim da jornada

sou a hora do lobo
sou o desespero dos dias
sou o sonho fugidio

sou o ímpeto da descida
sou a porta oculta
sou o abismo que contemplas

sou o porto que não alcanças
sou a paz que não encontras
sou o êxtase que não te liberta

sou o medo que te consome
sou a dor a que não escapas
sou a angústia

sou o fim
sou o nada
sou o teu reflexo

sou uma saída
sou uma saída
sou uma saída

domingo, 16 de setembro de 2007

chegas ao crepúsculo envolta nos teus mantos de manhã
e eu já na obscura noite a tentar alcançar
um fragmento sempre negado dessa eternidade
que trazes impregnada olhando-a de soslaio
enquanto questionas o seu poder

sinto no ar um presságio de queda
sempre tão avassalador
sinto em mim uma ânsia de ascensão
sempre aniquilada

e nas profundezas em que mergulho sinto
o cheiro a sangue a estender-me o seu apelo
exibindo a destruição como um narcótico calmante
que devo tomar para sobreviver

de profundis clamavi
lama, lama sabachthani
mas um silêncio quase escarninho
é a única resposta

prossigo na convicção do desassossego
na busca de míticos bálsamos
enquanto me detenho em sucedâneas fugas
repletas de breves inverdades

aguardo solitário no cais o navio que me ensine
o prazer da viagem, o caminho da aurora

na lonjura deste lugar perdido
algures numa fissura do espaço
imóvel, condenado
a ver a evolução desfilar perante mim
eterno espectador, nunca participante
registo efemérides sem nunca ser assinalado

terça-feira, 11 de setembro de 2007

o caminho estende-se até ao horizonte
sempre, sempre, em abruptas quedas.
somos o primogénito sacrificado a moloch
nosso é o sangue que fertilizará o campo
que acolheu a batalha

esse mesmo sangue que se imiscui
em cada letra aqui disposta.
e quanto disto julgas ser imaginação
e quanto confissão?
julgas ver aqui a tua dor
mas esta jamais é partilhável.

quando falo de abismos, quando me cubro de símbolos
são minhas as chaves que eu giro
é minha a verdade que invoco

apenas eu trilho este caminho
nesta noite profunda, para lá da hora
em que as bruxas empreendem a sua
furiosa cavalgada

aqui, algures, entre a exaustão
e o beijo de morfeu
sempre aqui, no centro
da vulnerabilidade
quando o desespero é mais intenso
a verdade mais acutilante, a dor
sempre presente

dançando só neste negro sabbat
em lúbrica nudez abraçando
toda a treva íntima em desafio
à ordem celestial

segue o fluxo
nómada à deriva
na torrente

quando crias
antes de questionar
imerges

não te perdes
por escolha
perdes-te
porque não existe
alternativa

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

fere-me a ausência
a tristeza que acompanha
o desejo

a voluptuosidade inata
por vezes
negada

servida com uma sensação
de perda, talvez
prisão

esta insaciável necessidade
de consolo
de satisfação

uma dor que se crava
aguda, profunda
e fina

como a lâmina
com que um negro dia
por cinco vezes golpeei
o meu antebraço

caminho que jurei
jamais
voltar a enveredar

é tudo sempre (d)escrito
no momento em que as fissuras
se tornam visíveis

quando todas as sensações
se tornam intensas
demasiado intensas

quando tudo parece
escapar-te por ínfimas
distâncias

quando caminhas
na invisibilidade
da vida

terça-feira, 28 de agosto de 2007

é preciso fugir
fugir de todo o ruído
que tolda a criação
fugir da realidade castrante
da loucura desta normalidade
do quotidiano estéril

quotidiano de destroços
e meios-seres
taciturnidade imposta
por vicissitudes da vida
permanente fractura

experiências na obliteração
sofrimento em vida
para glória póstuma
mais um altar
na galeria dos malditos

propriedade da humanidade uma ova!
estar-se grato
pelo sofrimento, a apatia?
sanguessugas inúteis
sofredores por procuração

em cada poema a ira, a volúpia
da destruição
doses de experiências frustradas
buscas, depressão
a opressão mental da fábrica
"arbeit macht frei"
o espírito da fábrica
sem glória proletária
apenas um imenso vazio
a sugar-nos a humanidade
a drenar-nos a vontade

ad astra per aspera
ad majorem gloriam

inutilidade agridoce
máximas ocas para conter
a fúria
repouso narcotizante sob o falso
consolo da justiça divina

cada dia uma batalha
cada criação uma vitória
movimento perpétuo
pequenos vislumbres de
uma fuga maior

imaginação sem limites
criação sem dogmas ou regras
a criatividade é a força motriz

escrevo na frente de batalha
no meio do alvoroço
escrevo no silêncio
sob o olhar dos demónios
escrevo na solidão
sob a alçada do medo
escrevo escrevo escrevo
aos poucos
por entre o ruído dos dias
um murmúrio
insinua-se

uma... duas... três...
mil vozes em crescendo
formidável estratégia arquitectónica
erguendo torres de retiro

e, subitamente
silêncio...

as portas abrem-se
de par em par
entra-se no refúgio
passos a reverberarem
na imensa solidão

sintonia com o sagrado
ou loucura depressiva
apenas o desassossego importa

a insaciável demanda
por verdes oásis
na estéril existência

terça-feira, 21 de agosto de 2007

e tudo isto são vozes do abismo
marcas do meu falhanço, sinais
da minha descoberta
instantâneos de fracasso, devaneios
na solidão
retratos de decadência e doença

e tudo isto são caminhos no desfiladeiro
trajectórias erráticas no planalto
da desolação
percursos entre sombras e conhecimento
reflexões no silêncio

e tudo isto são mapas
percursos iniciáticos de uma
quási religiosidade niilista
ascensões na descida

e tudo isto são relatos de viagem
a destinos que talvez desejasse
ignotos
quanto de mim vê nisto repulsa
e quanto vê atracção

e tudo isto são fracturas
desabamentos, passos em falso
na orla do precipício

tudo isto são cicatrizes
pontos de referência
marcos geodésicos na
espiral descendente

tudo isto é depressão
tudo isto é busca
tudo é melancolia, sonho
nascimento ou destruição
tudo é apatia

tudo isto é angústia
tudo um ponto
de convergência
correntes subterrâneas em
manifestação na fugacidade

tudo isto é sexualidade, tudo é misticismo
tudo isto são momentos de liberdade
tábuas de salvação numa vida
à deriva, porto seguro
na tormenta

tudo isto é chama
irradiando imensa
na noite

tudo isto
é tudo...

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

sou uma criança que desconhece
os seus limites, incapaz
de atingir os seus objectivos
sou um desejo perdido, uma breve
realização alcançada e ultrapassada
nunca sossegada na sua ténue chama

sou um sonho distorcido
tons sombrios e carregados
dor, infantil dor, num mundo
onde o prazer reinaria supremo

sou o infante do imediato
não sei buscar a eternidade
na brevidade do momento

sou queda, sou dor, percepção
da vulnerabilidade demasiado adulta
que marca o meu trajecto

sábado, 11 de agosto de 2007

aguardamos partidas
ansiamos chegadas
a vida jamais fica
estática

vivemos momentos que queríamos
eternamente repetíveis
até à sua exaustão
até que o seu significado
desaparecesse

temos ânsia de fuga
desejo de refúgio

somos piratas em busca do nosso
porto seguro
antes de nos lançarmos
ao saque

detemo-nos antes do salto
da imersão na
(ir)realidade
caminhamos pelo nosso tempo
em busca da
fugacidade do momento

pesamos erroneamente o que
nos rodeia
perdidos na contemplação
do imediato

pontos perdidos
sob o firmamento
no meio da imensidão
onde toda a grandeza
empalidece

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

à distância o mar debate-se continuamente com a areia
não mais sussurrando o meu nome
tenho ânsia de partida
e saudade
antes do início da jornada

sento-me na ausência
no silencioso estilhaçar do sonho
no momento em que tudo desagua
nesta imensidão que já não mais me fala

é um vazio que se instala quando
constatas que o murmúrio cessou
ao passares os limites
dos portos da tua juventude
todos os mapas náuticos caducaram
e navegas à deriva

por entre ilhas e rochedos solitários
procurando racionalizar uma rota
que apenas o acaso te ofertou
na verdade a glória sempre te foi alheia
na verdade a glória sempre me foi alheia
vivemos dias de incerteza com o futuro
a carregar-se de tons progressivamente mais escuros
corrigimos rotas, reanalisamos os percursos nos mapas
mas sabemos que o destino será sempre uma incógnita

no cais abandonamos opções e objectivos
no alto-mar teremos apenas o acaso
mas o bilhete que compramos não incluía
o uso de salva-vidas

navegamos na obscura noite
angústia em antecipação do choque
na gélida corrente
os destroços de outros naufrágios cercam-nos

investimos na bruma
cabeças erguidas e espíritos temerosos
seguros na queda e duvidosos da chegada

zarpámos com urgência deixando
uma distância eterna entre nós
e a costa
navegamos sob um céu carregado e sem estrelas
sem instrumentos de auxílio à navegação

sexta-feira, 27 de julho de 2007

viajantes no limbo da sub-vida
criaturas erráticas em fúnebre procissão
almejando pequenos lampejos de felicidade
conformados na sua destruição
vagueando inutilmente numa não-existência
fabricada de superficialidade
servos do trabalho da máquina de tudo
excepto de si próprios
abençoados pela produção absolvidos
pelo consumo aguardando
a imolação na linha de montagem castrante
da imaginação
vazios de tudo
perdidos a venerar o fim
um fim qualquer fim
fim que os poupe aos sonhos
destroçados
fim da angústia perante a realidade
num dia a dia que enfrentam
sós sós
ludibriados pelas necessidades
que não os libertam
sós perante si perante a imagem
que o espelho lhes devolve que eles crêem
distorcida
mas crua nua viva
vida no limiar
vida que não é vida
vida como sobrevivência
sem resistência
um lento arrastar
definhar definhar definhar
perante esse lento desfilar de anos
as decisões que não tomam
os actos não consumados
pelo medo a prisão
o terror do abandono
à sua sorte à liberdade
ao lado selvagem à verdade
a algo que os furte
a uma vida de trajectos pré-definidos
de morais pré-estabelecidas
apreendidas de tenra idade
não questionadas desafiadas
analisadas e reequacionadas
perdidos perdidos
no seu vazio
num não-espaço num nada não-ser
não ser nada
absoluto
nada-total nada infindo
anulados
não-creativos
cegos de si
em si
cegos perante a sua ausência
em mudez histórica
sem nudez sem beleza
fulgor
chama incontrolável a trespassar
a noite intransponível

terça-feira, 24 de julho de 2007

aos tropeções
marcado pela indecisão
confinado durante anos
a este solilóquio
nas ruínas
encurralado

aprendi a buscar
nestas trevas
o barro com que formo
a minha obra

e neste lugar frio onde
inumeráveis tesouros descobri
encarcerei-me
recolhido no silêncio

em tantos momentos quebrei
nesta descida solitária
onde me descobri
e destruí
o que julgava ser
eu

cessei crenças, aniquilei
conceitos
e não temi
olhar no negro lago
no planalto desolado

sei que sou trevas
e sou luz
que tudo é um acaso
e estamos
sós

sou uma traça atraída
a este miserabilismo
no qual me queimo
uma e outra vez
num ciclo
perpétuo

sábado, 21 de julho de 2007

aguardo-te nas profundezas aonde descerás
uma e outra vez em busca
da centelha da criação, da esperança
de um dia te ergueres acima
dessa lama à qual foste votado

sou a fugaz visão que te persegue e chamo-te
do lugar onde os amantes celebram o êxtase
inebriados pelo poder
que essa pequena morte lhes traz

na casa da dor e da depressão eu repouso
aguardando as tuas periódicas visitas
a este leito onde
repulsa e atracção se debatem

sou o que almejas sou cura
e doença
existência confinada ao silêncio
que só agora ousas quebrar

quinta-feira, 19 de julho de 2007

descemos à profunda noite, ao derradeiro confronto
calcamos a aridez rochosa e fria que nos aguarda

caminhamos no negro breu temendo o próximo passo
corpos feridos pela rispidez que nos cerca

esgravatamos o solo em busca
de uma verdade ancestral aqui encarcerada
e enfrentamos o terror
de enfim nos reconhecermos
frente-a-frente com o nosso extermínio
derrubando uma a uma as pedras que
formavam a fortaleza que julgávamos nossa

dilacerados pela verdade choramos
toda a mentira que perdemos
e a ignorância em que acreditamos

na avassaladora constatação da nudez
ante o desamparo, o abandono
aqui, nas profundezas do abismo soltamos
o nosso grito niilista
aqui, onde nada subsiste, lançaremos
os alicerces de uma nova era, e
erguer-nos-emos até aos cumes
estrelas fulgurantes em ascensão
na noite abissal

segunda-feira, 16 de julho de 2007

somos pontos perdidos no infinito
julgamo-nos estrelas
julgamo-nos poeira
mas somos apenas pontos
pontos em interrogação perante a vida
pontos prontos a serem usados
pontos à procura de um sentido
ansiosos por outros pontos
para criarmos intermináveis reticências
para nos agruparmos e sermos manchas

somos pontos
pontos de partida sem porto de chegada
somos apenas pontos de fuga
cujos pontos de vista nos levaram
ao ponto de não-retorno

procuramos um ponto de referência
um ponto de apoio neste ponto de encontro
até ao ponto em que o vento soprará
deixando-nos apenas a nós
sós, desapontados

sábado, 14 de julho de 2007

um pouco mais para que te sintas finalmente a quebrar,
apenas um pouco mais para que afundes.

sentes tudo a fugir, parece nunca haver esperança
os sonhos ao alcance da mão parecem sempre desvanecer-se,
miragens de um futuro nunca materializável.

quando tudo à tua volta são escombros nada mais te resta
além de seres tu próprio um destroço.

os dias sucedem-se, a agonia instala-se,
a lenta agonia do definhamento
que te conduz ao medo.

já deixaste para trás a última estação, enterraste o último filho?
que buscas nas noites que passas sem te conseguires mover?
que voz é essa que te grita e não te dá descanso?

as feridas nunca sararão por completo
arrastarás as chagas pelo mundo
e o vazio engolir-te-á no final...


escrito em 27/2/2003

sexta-feira, 13 de julho de 2007

vivemos uma mentira,
toda a mudança está
condenada
pelo veneno que somos.
não passamos de uma doença
que se quer
fazer passar por cura.
continuamos presos aos conceitos
de um mundo podre
e vivemos nesses valores.

todo o vestígio da moral gera peste.
na nossa cegueira julgamos
poder vislumbrar a vida
mas é apenas a morte
aquilo que tanto apregoamos

apenas nas ruínas encontraremos
o que nos dizemos ansiosos
por achar
e no fogo dos escombros,
aterrorizados
perante o desejo, seremos
a fénix que se ergue
com novo alento.
no frio das sombras,
onde a aparência
não mais existe,
e apenas a forma
se faz valer.
onde apenas a verdade
do contorno,
que cerca toda
esta existência,
tem hipóteses
de subsistir.

onde os olhos
se fecham
e nos recolhemos
ao ventre
da dor
e não mais ocultamos
os rostos.

o desespero transborda
no traço do contorno,
a vida torna-se vazia
quando se lhe retira
o medo e a mentira.
sem nada a temer
todos se acobardam
perante a liberdade.

que as correntes fossem
um pouco mais discretas,
os ferros mais macios,
mas que a liberdade
não fosse total -
eis os lamentos que oiço.
mas a liberdade
só pode ser total.

no frio das sombras,
na nudez completa
onde todos temem olhar-se,
não por pudor,
por cobardia
onde o fogo
queima as entranhas,
mas o vazio
causado pela fuga
da hipocrisia
é de tal modo
incomensurável
que as forças faltam
para caminhar.

o terror mora aqui,
onde te encontrarás.
onde virás procurar-te
quando o ódio contra ti
se tornar insuportável,
quando te cansares
da tua falsidade
e sucumbires
ao anseio de seres
quem na verdade és.

podes vir
a qualquer momento.
podes chorar
o quanto quiseres.
ninguem te aguarda
ninguem chora
a tua partida.
apenas te prometo
a dor da ressaca
o medo
e o desespero.

eis o espelho -
mira-te nele,
é inútil cegares-te
ou desfigurares-te,
o rosto permanecerá
lá, inalterável,
a fitar-te,
nem sequer precisarás de o olhar
para o saberes.

retira os véus
e deixa-te cegar
pela luz ao deixares
o frio das sombras...

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Tenho um livro na "gaveta" já há cerca de 10 anos! A certa altura constatei que havia um fio condutor que atravessava uma série de coisas que escrevia e que era um prenúncio que algo se estava a operar em mim. Uma "transformação", uma "solidificação" de ideias. Como se algo em mim me dissesse que precisava de ordenar uma série de coisas para que elas ficassem como um ponto de referência, uma bóia sinalizadora para a navegação. Durante o período em que procedi à compilação dos poemas que integram esse livro apercebi-me que havia algo mais do que havia julgado ao início, como se várias correntes de interesses que eu tinha, e que acabavam por ser um pouco díspares, finalmente confluíssem num único ponto, um nó que atava todas as pontas.
Tenho um livro na "gaveta" já há cerca de 10 anos! E os poemas que nele estão contidos são os únicos que são conhecidos por mais uma pessoa do que o habitual - além de mim, duas pessoas conhecem-nos.
Tenho um livro na "gaveta" já há cerca de 10 anos! Tão importante para mim que, de tempos a tempos, acho que devia tentar publicá-lo, apenas para acabar por adiar sempre essa tomada de decisão, por achar que aquilo que é extremamente importante para mim pode perfeitamente ser extremamente ridículo para os outros.
Tenho um livro na "gaveta" já há cerca de 10 anos! E este é o seu primeiro poema, aquele que despoletou tudo:

quando o nevoeiro levantar
caminharemos em direcção ao sol
predadores de deus
na estrada para a liberdade

caminharemos no desespero
de uma vida sem lei
abandonados perante o
vazio

filhos do caos de uma era
fratricidas
da aurora ao poente

vaguearemos
como cães esfaimados em busca
do nosso fim

uivaremos a nossa dor
à lua que, prenhe, se
erguerá no céu

loucos perante o abandono
tentaremos devorar os
astros que,
luminosos, nos revelarão a nossa
nudez

sós, perante o meio
que nos gerou
choraremos a liberdade
que não suportamos.

terça-feira, 10 de julho de 2007

quando
no meio dos escombros
te ergues
o que vês?

o solo
esventrado
pejado
de estilhaços

ou
o céu
vazio
das possibilidades?
ergues os olhos uma derradeira vez
para vislumbrar o cume que nunca alcançarás

percorres com o olhar o teu corpo
contemplando as feridas que não param de sangrar

olhas para trás antes do desfalecimento
para te despedires da estrada que aqui te trouxe
e encaras o deserto...
...nada nem ninguém te chora...


escrito em 13/3/2006

um poema com três anos

olhas longamente o abismo
e este abraça-te na sua escuridão
acordas e encontras os escombros
a vida sobrepôs-se aos desejos
e o fogo esmorece aos poucos


escrito em 18/11/2004

um poema com quatro anos

as tuas esperanças vão esmorecendo
como uma linha de defesa sob intenso fogo
és tu próprio que cais, uma e outra vez, perante este assalto

até o prazer da guerrilha se esgota
quando a férrea vontade se retira
para dar lugar ao ocupante

em vão olhas o horizonte em busca
de um novo alento
que teima em não surgir

a vida, apesar de quebrada, prolonga-se
a agonia da rendição é mais dolorosa
do que a constatação da derrota

o fulgor dos últimos raios de resistência
vai sendo obscurecido até nada mais restar
e a noite avançar lentamente até ao último refúgio


escrito em 15/7/2003
vagueamos na noite
tacteando o caminho
em busca de uma referência

respiramos a noite
o seu gelo fere-nos

estamos sós ou somos uma multidão?
neste deambular aleatório
pelas bordas do abismo
estes corpos que por momentos tocamos
poderiam guiar-nos, poderiam perder-nos?

quanto falta até ao precipício?
de quanto precisaríamos?

aqui, neste lugar,
entre a queda e
as oportunidades perdidas
ansiamos um amanhecer
que nos cegue
mas no qual,
no momento entre
o primeiro anúncio da luz
e a última visão do fogo
pudéssemos vislumbrar a vida

mais um blog

E eis que surge mais um blog neste mundo já tão saturado deles! Mais um blog para "atulhar" o espaço cibernético, mais um blog para nos dar a ilusão democrática que todos nós somos passíveis de fazer ouvir a nossa voz, mais um blog para alimentar a nossa cultura egocêntrica e nos fazer achar que somos sempre tão importantes e por isso todos os nossos pensamentos devem ser reflectidos à escala mundial.
Com esta conversa toda isto já começa a parecer um anti-blog! Não o é nem pretende ser. Até porque seria um bocado ridículo.
Este blog surge para colmatar uma enorme falha - pois é, faltava "o meu blog" (lá está a tal cultura egocêntrica).
Como tantos outros (provavelmente a maioria) isto está destinado a ser um espaço onde "despejarei" reflexões e, e este será talvez o motivo principal para a criação deste blog, poemas. Como provavelmente tantos outros por aí fora eu escrevo poesia já há vários anos. Quantas pessoas conhecem os meus poemas além de mim? Uma! Nunca tive coragem de mostrar a ninguém nada do que fazia! O que eu escrevo é tão importante para mim que sempre tive medo da opinião das outras pessoas acerca do que eu escrevia, ou se calhar também nunca me dei com pessoas que eu achasse que pudessem estar interessadas.
É uma atitude um bocado "kamikaze" passar de nada para um blog? Talvez no fundo seja uma atitude covarde - estou talvez a achar que com a saturação de blogs este nunca será lido ou então que estarei sempre resguardado por um certo anonimato tão próprio da nossa "era digital" no qual toda a gente se expõe mas no fundo ninguém nos vê porque as pessoas passam e não olham, lêem e não comentam, etc. etc.
Enfim, bem-vindo, quem quer que sejas que por aqui passas entre uma e outra leitura, este é mais um blog, o meu, as minhas vozes do abismo.