terça-feira, 23 de dezembro de 2008

tanto silêncio por estes dias
um silêncio ensurdecedor
um silêncio sobre a vida
que não o é
mas também o silêncio
na realidade não o é
é antes uma ausência
um sentido ausente da vida
uma longa batalha
na ausência de esperança
um repetir de gestos, rotinas
ausentes de significado
ou talvez esta ausência
seja apenas eu
e esse eu que julgo ausente
seja nada, seja silêncio
e este eu presente todo o eu
que eu possa ser...

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

ao fundo de um corredor havia uma porta
ao fundo de um longo corredor perdido
na semi-obscuridade inconstante produzida
por uma luz que tremeluzia solitária havia
uma porta e nessa porta perdida ao fundo
de um longo corredor estavam gravados vários símbolos
estranhos símbolos gravados numa porta perdida
ao fundo de um longo corredor e esses símbolos
estranhos pareciam invocar realidades de sonho
sonhos invocados por símbolos estranhos numa porta
perdida ao fundo de um longo corredor na semi-obscuridade

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

nesse sinuoso jardim estão encerrados segredos,
que enlouquecem a memória com a sua ausência,
de onde todos os caminhos divergem nunca encontrando
o centro do labirinto no recanto mais profundo.

nos trilhos da tristeza sopra uma brisa,
como que um leve roçar de mãos, uma carícia,
e nela a sua ausência o desejo
de caminhar em direcção a um elusivo destino.

as estradas desembocam na solidão oceânica,
na abissal vastidão contemplativa onde
o murmúrio do tumulto dita o isolamento.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

... como se disto houvesse vida,
como se disto houvesse esperança,
como se disto resultasse mais que desespero,
apatia, raiva ou depressão

e tudo isto não fosse mais
que espinhos no caminho,
como se isto não fosse
todos os frutos que conseguimos colher

e para lá destes muros ameaçadores
existisse realmente uma luz
a aguardar ser contemplada,
como se isto não fosse mais que uma ilusão

e na verdade tudo acabaria bem
e não haveria desperdício de sofrimento, de luta
e isto apenas um teste no qual triunfaríamos
pela resistência, persistência, desejo

como se isto pudesse ser verdade...

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

uma figura cuja silhueta se recorta
contra um fundo de céu,
imóvel, contemplativa, no extremo
de uma falésia.

no céu o ocaso coroado de nuvens,
a seus pés a memória
de um mundo que foi
e agora desaba.

... silencioso estertor...

sábado, 18 de outubro de 2008

o martelo regista uma cadência
insistente,
aço contra o metal frio,
esmagando-o de encontro ao
aço
por debaixo.

aquele tinido agudo,
ofensivo para os ouvidos,
entidade mor de outros sons
que confluem
ao seu
redor.

um murmúrio de máquinas
sustenta a textura sobre a qual
a vida vai sendo definida
e roubada.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

não restam mais que pálidos espectros
nos caminhos que outrora trilhávamos,
não restam mais que memórias abandonadas,
destinos deixados em aberto
com promessas de um futuro regresso.

o mar reclama de novo o seu território
enviando sucessivas campanhas à reconquista da costa.
sinto-o em mim e ele estende-me o convite
de navegar seguindo as coordenadas do desejo,
instrumentos orientados para o sonho.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

quem somos nós nas sombras,
quando na hora do desespero
o toque soa
e a esperança vacila na sua
convicção,

e nos dividimos entre chacais e hienas
tão rapidamente esquecendo
a réstea de razão que nos ancorava
ao cais,

e vagueamos na raiva,
olhos injectados de ódio,
matilhas insaciáveis no rasto
do sangue

e, reorientando a navegação,
nos vemos na expectativa de colidir
com os nossos mais profundos
receios,

enquanto um pequeno punhado de nós
apenas desejava olhar as montanhas
ou rumar em direcção
ao deserto?

sábado, 30 de agosto de 2008

vou descrevendo círculos no meu voo
observando à distância
antes do mergulho a pique,
um batedor em missão de reconhecimento.
próximo do nível do chão
voo em movimentos tangentes.
um bater de asas imperceptível,
a minha figura invisível.

distancio-me ao roçar a verdade
dos sombrios arrabaldes
regressando às escarpas.

por vezes sou
como uma águia tudo registando
a partir da sua solidão rochosa
por vezes sou
como maldoror no cimo da falésia
a observar o naufrágio.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

contempla os despojos do teu dia
e diz-me
em que ponto eles se curvam
projectando uma sombra sobre a tua vida
a cujo enlace não consegues escapar.

fala-me do momento
em que te vês subitamente

na angustiante convicção
de que ninguém escuta e tudo
é vão.

conta-me
o que esses tristes olhos vêem
quando se demoram longamente
a olhar o futuro

e para lá dos muros
encontram o vazio...

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

há uma melancolia que se instala
na hora da partida
quando observas os rostos que se ausentam,
ponderas sobre a vida
e reequacionas opções tomadas.
deixas vaguear a tua mente
por momentos
e tentas imaginar como
estas vidas se projectam para lá
do ponto em que se cruzam.
impossível tocar toda esta humanidade...

há um desejo que se instala
quando olho as estradas num mapa
e anseio percorrer todas elas,
ganhar asas e partir
com as vagas migratórias dos pássaros,
sempre em busca do sol, sempre em busca do sol.
regressar volvidos anos com
a saudade a transbordar nos olhos,
profética barba em desalinho,
emaranhada como as estradas percorridas,
como as vidas vividas...

quarta-feira, 23 de julho de 2008

movo-me na serena ambiguidade do dia
escrutinando a hipótese e a sua ausência.
sou o meu duplo incaracterístico perdido na aleatoriedade.

nesses dias que se mantêm inalterados,
exibindo os seus brilhos de demência,
perspectivo a ausência em que me debato
numa linha condutora de pensamento
em que busco ordenar o caótico e o arbitrário,
esquadrinho as franjas eliminando à partida o absoluto
com vista à reavaliação dos valores.

o tempo vai-se gastando na extrema
involuntariedade do trajecto percorrido
na longa estrada para nenhures,
antecipando o vazio que aguarda impassível
no término desta rota.

desvio-me das vias com destino assinalado
e embrenho-me nos trilhos das florestas que as ladeiam.
imagino-me sempre um lobo a uivar solitário à lua, ou então
uma águia, tudo observando do seu posto nas falésias,
ou serei um corvo aguardando a carniça da batalha,
percorrendo o mundo, serei pensamento ou serei memória?

quinta-feira, 10 de julho de 2008

saber em que mares navegamos quando,
a coberto da noite, nos lançamos à deriva
e procuramos em vão pelo nosso reflexo
no oceano em revolta.

procurar, por entre os murmúrios do vento,
pelo nosso nome sussurrado numa promessa
de um amanhã cuja aurora nunca chega.

querer encontrar em toda a arbitrariedade e em toda a dor
um fio condutor que justifique todos os dissabores
trazidos pela amargura de uma má escolha.

desesperar pelo vislumbre da luz de um farol
quando, na imensidão perdidos, ainda nos agarramos
a uma réstia de esperança de sermos conduzidos a bom porto.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

a noite chegou com os seus sortilégios,
mil encantos e promessas
de um novo amanhecer.

saltamos a questão, contornamos
o momento e escolhemos
as saídas transversais.

uns olham a aurora com esperança,
outros vêem a destruição
que a sua luz ilumina.

por vezes parece-me
que apenas eu fico retido
nesta noite sem saída.

encolho os ombros em resignação
(sorriso amargo a aflorar-me os lábios)
e prossigo na ameaça
de derrota.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

uma mancha indistinta
na voracidade dos dias.
uma mancha indistinta,
como algo pelo qual
passamos a grande velocidade,
incapazes de percepcionar
a sua verdadeira forma.
uma mancha indistinta,
sobre cuja memória
(quando ela ainda resta)
projectamos a nossa própria concepção
daquilo que ela seria.
uma mancha indistinta,
cujo verdadeiro sentido
entra no campo das hipóteses.
uma mancha indistinta,
que porventura não o seria,
se nos detivéssemos a observá-la
na voracidade dos dias.

domingo, 29 de junho de 2008

império em expansão, os limites a transbordarem,
dilatando a percepção do que é real.
aquilo que não conhecemos é a fronteira
sobre a qual projectamos os nossos receios.
insinuante rendição à imobilidade, à estagnação.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

uso o fio de ariadne para tecer a rede
em que me suporto e espalho nesta
obra translúcida os fragmentos que me formam.
não presto juramento a bandeiras, queimo-as
e à raça e género desafio preconceitos.
não me permito os dogmas de nenhuma religião,
não nasci para obedecer sem questionar.
prefiro a solidão das falésias ao
conforto do rebanho, e em tudo o que crio
tento projectar essa sombra.
esses puros momentos arrancados às garras
da mediocridade, do vazio do quotidiano
em que raiva, dor, desejo, paixão se erguem
num clamor mil vezes superior
ao murmúrio enlouquecedor das horas perdidas
a sobreviver. essas horas cuja mancha
indistinta em que se tornam jamais
permitem ver o meu contorno.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

os murmúrios cessaram com a distância.
a língua rochosa que penetrava o mar,
e na qual eu me sentava, já não mais é
a mesma.

estou ausente da nocturna brisa de verão
que trazia o nevoeiro para me embrenhar
no cheiro a maresia, e sei
que a areia não guardou as minhas
pegadas.

já não almejo o infinito como destino
nem vejo os contornos de terras prometidas
a desenharem-se no horizonte.
lancei o meu desdém ao passado dourado
e olho com sarcasmo
o futuro radioso.

nesta caminhada solitária onde deixo
um trilho de cadáveres a assinalar
a passagem, sei que estarei
para sempre só no trajecto
da descoberta.

esta melancolia será sempre a barreira,
a muralha intransponível, a chaga,
do renegado.

vou deixando os símbolos nestes caminhos
calcorreados na constante incerteza,
carregando a dúvida como única
verdade.

que me acompanha na subida ao promontório?
- ascendo vazio de despojos, sem esplendor,
e na queda não possuo
nem lastro nem pára-quedas.

celebro-me a mim na ausência
de ser eu próprio, rei
sem coroa, divindade
sem discípulos.

e para onde conduz o trajecto
desta diáfana forma de vida
onde todos os destinos parecem rumar
em direcção ao esquecimento apenas
evitável por glórias vãs?...

quinta-feira, 29 de maio de 2008

shhh!!! repousa
deixa que hipnos traga
o beijo do esquecimento,
o abandono, o repouso,
o breve instante
da queda.

deixa-te seduzir por esta
canção encantatória que
ao longe
as ondas sussurram,

ouve com atenção
e repara
no murmúrio lúgubre
das rochas acariciadas
pelo mar.

deixa-te levar
às longínquas costas
em busca
de novas fronteiras
para transpor.

empreende a viagem
ao fim da noite
numa caçada selvagem
nessa floresta onde és
caça e caçador.

ergue-te para a beleza
dos primeiros raios da aurora
a banharem
a tua redescoberta
nudez.

shhh!!! não acordes ainda
fica um pouco mais
resiste à tentação do despertar
e foge
em direcção ao último reduto.

shhh!!! não vás ainda
pelo menos aqui
ouve os deuses esquecidos
pronunciarem o teu nome
e quando partires
deixa uma única lágrima
rolar-te do rosto até
este solo
onde ainda buscas
refúgio...



(banda sonora: asva - "what you don't know is frontier")

quarta-feira, 21 de maio de 2008

sei que não temes a chegada da noite
e o que ela traz. a hora
em que o teu rosto se transfigura em mil desejos
de uma liberdade indizível, e vagueias
como um réptil em busca de calor inebriado
pelo odor a sangue que paira no ar.

conheço esses anseios, dissimulados
sob a fina camada de brilho,
que aguardam o momento.

reconheço em ti esse ensejo de
à bruxuleante luz das chamas
matares o teu irmão quando devias
dilacerar a garganta do carcereiro.

sei que não entenderás esta dor
até à alvorada
quando os primeiros raios de sol
penetrarem a caverna
e chorares pela noite que ocultava
a tua bestialidade.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

reconheço essas asas que me exibes
com as suas plumas onde a melancolia
e o desejo se entrelaçam criando padrões
de sonho e desespero.

reconheço o desenho dessas feridas que me mostras
e sei em que falha geográfica as conquistaste,
em que condições, em que momentos, quando desejaste
que tudo cessasse num derradeiro beijo.

estas árduas conquistas, breves triunfos arrancados
às mãos de uma perpétua agonia, aqui e ali
entrecortada pelo som de gargalhadas que pulverizam
todas as ameaças de derrota.

sei onde foste buscar a força que te mantém
irredutível no voto de resistir contra toda
a ânsia de rendição à noite final.

caminho como os lobos, a uivar à lua os sonhos
que uma maldição se encarregou de negar
e observo furtivamente, olhos lampejando de ódio,
a realização do que me negam.

sou um deus solitário de uma religião esquecida
com uma raiva por saciar de mil holocaustos.
do tempo assisto à passagem, escondido, dissimulado,
aguardo, aguardo a chegada do grande cisma
quando o desespero fenderá as portas
da minha prisão e a ânsia de sangue
erguer a cabeça e vaguear livre.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

vagueamos na penumbra perseguidos
pela majestosa altivez do que fomos
projectando sombras cuja verdade
não aceitamos.

que tortuosos labirintos somos levados a percorrer
até aceitarmos, já sem resposta, a derrota infligida
de semblante baixo, sonhos abandonados, joelhos flectidos!

agora, que a resistência cede o seu lugar ao desespero,
e a noite vai chegando com o cansaço que se insinua,
repousa uma última vez junto ao umbral para o jardim
e chora perante a visão do inalcançavel.

partimos ao crepúsculo, cabeça baixa, enfileirados para o esquecimento.
quando chegar a aurora, as nossas pegadas na areia
já há muito terão sido apagadas pelo vento...

quarta-feira, 30 de abril de 2008

na ausência povoei o meu mundo com monstros,
habituei os olhos à escuridão, especializei-me
na construção das muralhas desta cidadela
que jamais alguém ousa violar.

a única porta para o refúgio dirige o olhar
para o abismo em cujo promontório aguardo
a chegada do seu anjo, observando
atentamente a negrura imóvel na esperança
de ver a sua chama irromper.

mas as profundezas repousam na sua imobilidade alheias
a quaisquer anseios ou sonhos.
resta o bálsamo da misantropia, envenenado como poucos,
como companhia nestas reflexões nocturnas.

viro as costas à noite abissal, furioso
com a solidão e o silêncio que assombram
os corredores que percorro até ao átrio da minha fortaleza.
ensandecido derrubo a muralha e constato
que há muito me tornei invisível...

terça-feira, 22 de abril de 2008

um cheiro a tabaco e café a exalar
de bocas alheias, misturado
com o pertinente odor de suor,
ressequido vezes sem conta,
assalta-me as narinas ao chegar.

dentro de breves momentos o ruído
das máquinas em marcha tornar-se-á presente
até ao ponto de se fundir num murmúrio
constante, que nos entorpece até parecer
que toda a beleza se pôs em fuga
e que já nem a desesperada centelha,
que se tenta orientar neste labirinto, consegue
encontrar uma cadência à qual se agarrar,
como se a música que ainda conseguisse criar,
apesar da sua desarmonia, fosse
uma réstia de esperança no meio
da fealdade...

quarta-feira, 16 de abril de 2008

o desassossego visitou-te à noite
enquanto te detinhas nos textos passados
cujas palavras, arrancadas à vida,
repousam agora no templo do esquecimento.

os olhos estavam húmidos no regresso à cama
traindo a mágoa que te tinha assaltado
ao releres os relatos das desventurosas viagens.

no dia seguinte uma fúria ferida anunciou-se
ao reveres uma vez mais a obra que queres revelar.
juraste a ti mesmo que irias seguir em frente
não te detendo, não cedendo e, algures,
um riso escarninho recordou-te
o restante dos teus sonhos.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

de olhos no mar surgiste-me tu
pela primeira vez. talvez não fosses tu,
mas eras tu.
contemplei a tua imagem até ela
desaparecer, e depois esqueci-te,
durante anos, até que essa
determinada teimosia se fez de novo anunciar
com um riso capaz de estilhaçar
quaisquer trevas que assomem.
vieste materializada num sonho, com estrelas
no teu olhar
e chegaste ávida pela vida com a exigência
de uma rendição impossível
de negar.
eixo do mundo, epicentro
de um abalo
de sensações que julguei
jamais vir a sentir...

quarta-feira, 9 de abril de 2008

lembras-te das visões, dos apelos,
quando o mar sussurrava o teu nome
na brisa nocturna?

onde está agora essa voz que te segredava
mistérios e te revelava destinos fabulosos,
aquele murmúrio que te libertava
embalando-te na imensidão do vazio?

essa melancolia que carregas, em quantas marés
foi ela baptizada? consegues recordar-te
da primeira vez em que os teus olhos adquiriram
esse ar sonhador quando fitam o infinito?

e se as tuas emoções correm como a água
mas sentes-te preso, ansiando, num charco estagnado,
quando deixas o ímpeto das ondas conduzir-te
ao turbilhão para o qual nasceste?...

terça-feira, 1 de abril de 2008

um vazio enorme estende-se perante os olhos,
e sob os pés
a frieza áspera do solo faz-se sentir.
resta a queda, o impacto profundo, o estilhaçar
da ilusória armadura.

o trajecto até ao destino desenhado
pelas cicatrizes no corpo.
esse mapa que aguarda ganhar asas
para se elevar sobre esta terra de ninguém.

a fenda majestosa engole o corpo na descida
num sorriso de escarpas afiadas.
do confronto do uno com a imensidão
surge o nulo.

num virginal estado de sensações,
na sofreguidão de tudo provar.
por entre contornos de sangue a liberdade
abre-se de par em par
e ruma-se às estrelas...

quinta-feira, 13 de março de 2008

"alcança as estrelas. tudo te aguarda
e te está destinado. apenas o tempo
é a barreira que te separa do objectivo
que inevitavelmente alcançarás."
- esta é a voz da ignorância.
"tudo é em vão, toda a vitória
uma ilusão. vem, vem, deixa-te
cair, em direcção a mim, à minha
carícia traiçoeira, ao envenenado conforto
que te segreda que nunca
saciarás o desejo."
- esta é voz da destruição.
"a essência do desejo é a procura, e a desta é
a questão. questiona tudo, questiona-te
a ti. olha as profundezas e reconhece
a escuridão que carregas. procura
o fim das crenças e encontra
a tua verdade. não temas
descobrir-te na noite profunda onde
resides só. transpõe o umbral
para o desfiladeiro onde te perdes e encontra-te
na queda nas falésias extremas. aprende
com a fénix o segredo
da destruição e do renascimento
e ascende com as asas
que conquistaste."
- esta é a voz do abismo.

segunda-feira, 3 de março de 2008

permaneces fechado no fim de longos corredores
cujas portas parecem vibrar de opressão e silêncio,
retido no vazio a desfiar essas horas
em que questionas, perdido, o que existe
para lá da tristeza e da decepção.

porque permaneces aqui neste deserto
se és o fim das fronteiras e cruzas
os arrabaldes de mundos sempre em busca
sem nunca encontrar repouso?

se és chama sem ainda teres a lenha,
em que estrela te expandirias se pudesses
fazer brilhar as sonhadoras realidades
a partir do teu epicentro e em direcção ao infinito?

se soubeste olhar sem medo e reconhecer
toda a decadência que carregamos,
se viste os planaltos e os desfiladeiros negros
por onde as sombras caminham altivas,

se conseguiste buscar em ti uma e outra vez
as profundas falésias para lá das quais nada é,
e desse confronto dilacerante conseguiste
descortinar uma linha condutora para a tua obra.

...olhas longamente o abismo, e ele
devolve-te o olhar, a sua fenda
parecendo sorrir-te já reconhecendo
as tuas asas. e tu?...

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

regressas sempre ao mesmo lugar.
vindo de todo o lado, tentando voar
para um lugar mais alto, para onde
te esqueças de tudo aquilo que
nunca conseguisses que fosse teu.

mas acabas sempre por voltar.
não ao ponto de partida, não aonde
conseguiste encontrar refúgio, sonhar
que um dia, em algum momento,
tudo melhoraria, porque isso sabes ser
uma grandiosa ilusão.

mas, aquilo a que sempre regressas,
é o momento em que sentes tudo
a desabar, a ferir-te, o lento esmagar
de mais um estilhaço de um sonho,
que atinge tudo de mais íntimo,
vibrando numa grave ressonância
onde pressentes a revelação de um futuro
que nunca nunca desejaste...

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

deixa arder em ti a chama do desassossego,
deixa-te consumir por essa sede impossível de saciar
e observa a trémula luz que incandesce as falésias do abismo
num sinal da aurora que se avizinha.

invoca os espíritos a norte, sul, este e oeste
e grita ao vento que a hora é chegada
para a tua ascensão.

dirige o teu olhar para o mais alto promontório
e encara a falésia como aquilo
que te ajudará a alcançar o cume,
ao invés de um obstáculo a vencer.

firma-te no ponto último da tua descida
e grita: "até aqui mas não um passo mais",
e compreende que chegou o momento de ganhar os céus
sob o signo da fénix...

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

entra nessa noite profunda, cuja atmosfera,
qual fio retesado, apenas aguarda
a vibração do grito

deita-te nessa avalanche de sensações
onde o mar em revolta arremessa os seus despojos
de encontro à costa dilacerada

sente o vento que varre o promontório
enquanto perscrutas o horizonte por sinais do naufrágio

ergue-te, coroado com os primeiros raios da aurora,
reconhecendo a sua filiação nas trevas.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

momentos

há um momento em que todas as vozes se fundem num só murmúrio,
parecemos flutuar, por vezes crescer, e ficamos alheios a tudo,
perscrutando o infinito, ou de olhar fixo num ponto,
um momento em que nos encerramos no nosso próprio mundo.

há um momento em que pesamos prós e contras, olhamos
os caminhos percorridos e reflectimos sobre o que nos tornamos,
um momento em que desejamos destruir aquilo que somos.

há um momento, tantos momentos, em que descemos,
descemos ao mais fundo de nós, e quebramos, choramos
as carícias por que ansiamos, os objectivos que adiamos.

há um momento em que a raiva vem à tona,
emerge para nos submergir, e o desespero toma conta de nós,
inunda-nos um ensejo de destruir, essa volúpia niilista,
que se sobrepõe a essa carne não-saciada, instila o veneno
que nos leva ao momento, tão negro, em que desejamos morrer,
tão belo, tão angustiante, em que desejamos renascer...

domingo, 6 de janeiro de 2008

ele caminha entre os planos da indefinição
alheio às formas que assomam à sua volta,
dando passos entre mundos etéreos
em busca de chaves para corredores secretos.

ele procura na poeira das estrelas,
incerto da sua origem,
tacteando o vazio, mexendo
na matéria dos sonhos
ou de memórias ancestrais.

aponta para o infinito,
numa demanda angustiante,
fechado no seu castelo tentando
solucionar o enigma antes de as passagens
serem permanentemente seladas.