quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

não me mostres a memória, o sonho,
a ideia do que eu seria
para lá de tudo o que não sou.

não me recordes a glória, a ânsia
que possuía de vencer
em todas as batalhas em que fui derrotado.

não me lembres quem eu era
para não tornar ainda mais
impossível de suportar quem me tornei.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

a luz evanescente traz consigo um apelo
que estende o seu murmúrio reverberando
onde ecoam os passos da solidão

há encerrada em si a memória
da linha do horizonte recortada a laivos de fogo
precedida pelo mar

eu ainda estou naquele rochedo
onde as ondas contavam segredos
e imprimiram em mim a sua voz

eu ainda tenho dez quinze vinte anos
e tudo é ainda jogado
no campo das probabilidades

ainda as sombras não se abateram
e a tempestade surgiu no horizonte
ainda a inocência perspectiva o futuro

já a mácula se instalou ainda que indelével
mas a sua presença não foi notada
até à hora das trevas

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

há demasiado tempo que o ar nesta latrina se tornou insuportável
e cada dia é vivido na vã mentira a nós próprios
de um dia conseguirmos respirar.

há demasiado tempo que as sombras se tornaram tão densas
que nos substituíram
e nos perdemos no esbatimento da sua projecção.

há demasiado tempo que não sabemos o que é suposto sermos
para além de toda a carga que agora nos anula
e que sentimos nunca terminar.

há demasiado tempo que nos separamos e esquecemos
o trajecto que tínhamos perfilado no horizonte
aonde sabíamos que iríamos chegar.

há demasiado tempo que as armas foram depostas
e se encontram enferrujadas num canto
para onde relegamos os sonhos que preferimos não sonhar.

há demasiado tempo que não sermos se tornou banal
e queimamos o tempo numa cruel ânsia
por um fim nulo.

há demasiado tempo...
há demasiado tempo que aguardo o dia
que cesse a noite que me encerra
e possa rever, por entre névoa e ruína,
quem eu julgava ser.

há demasiado tempo, porém, que perdi aquilo que fui
e me tornei no que sempre odiara.
há demasiado tempo que vivo incapaz sequer de descortinar
a saída do labirinto.
há demasiado tempo que fui devorado
pelo que nunca desejei.