sexta-feira, 27 de julho de 2007

viajantes no limbo da sub-vida
criaturas erráticas em fúnebre procissão
almejando pequenos lampejos de felicidade
conformados na sua destruição
vagueando inutilmente numa não-existência
fabricada de superficialidade
servos do trabalho da máquina de tudo
excepto de si próprios
abençoados pela produção absolvidos
pelo consumo aguardando
a imolação na linha de montagem castrante
da imaginação
vazios de tudo
perdidos a venerar o fim
um fim qualquer fim
fim que os poupe aos sonhos
destroçados
fim da angústia perante a realidade
num dia a dia que enfrentam
sós sós
ludibriados pelas necessidades
que não os libertam
sós perante si perante a imagem
que o espelho lhes devolve que eles crêem
distorcida
mas crua nua viva
vida no limiar
vida que não é vida
vida como sobrevivência
sem resistência
um lento arrastar
definhar definhar definhar
perante esse lento desfilar de anos
as decisões que não tomam
os actos não consumados
pelo medo a prisão
o terror do abandono
à sua sorte à liberdade
ao lado selvagem à verdade
a algo que os furte
a uma vida de trajectos pré-definidos
de morais pré-estabelecidas
apreendidas de tenra idade
não questionadas desafiadas
analisadas e reequacionadas
perdidos perdidos
no seu vazio
num não-espaço num nada não-ser
não ser nada
absoluto
nada-total nada infindo
anulados
não-creativos
cegos de si
em si
cegos perante a sua ausência
em mudez histórica
sem nudez sem beleza
fulgor
chama incontrolável a trespassar
a noite intransponível

terça-feira, 24 de julho de 2007

aos tropeções
marcado pela indecisão
confinado durante anos
a este solilóquio
nas ruínas
encurralado

aprendi a buscar
nestas trevas
o barro com que formo
a minha obra

e neste lugar frio onde
inumeráveis tesouros descobri
encarcerei-me
recolhido no silêncio

em tantos momentos quebrei
nesta descida solitária
onde me descobri
e destruí
o que julgava ser
eu

cessei crenças, aniquilei
conceitos
e não temi
olhar no negro lago
no planalto desolado

sei que sou trevas
e sou luz
que tudo é um acaso
e estamos
sós

sou uma traça atraída
a este miserabilismo
no qual me queimo
uma e outra vez
num ciclo
perpétuo

sábado, 21 de julho de 2007

aguardo-te nas profundezas aonde descerás
uma e outra vez em busca
da centelha da criação, da esperança
de um dia te ergueres acima
dessa lama à qual foste votado

sou a fugaz visão que te persegue e chamo-te
do lugar onde os amantes celebram o êxtase
inebriados pelo poder
que essa pequena morte lhes traz

na casa da dor e da depressão eu repouso
aguardando as tuas periódicas visitas
a este leito onde
repulsa e atracção se debatem

sou o que almejas sou cura
e doença
existência confinada ao silêncio
que só agora ousas quebrar

quinta-feira, 19 de julho de 2007

descemos à profunda noite, ao derradeiro confronto
calcamos a aridez rochosa e fria que nos aguarda

caminhamos no negro breu temendo o próximo passo
corpos feridos pela rispidez que nos cerca

esgravatamos o solo em busca
de uma verdade ancestral aqui encarcerada
e enfrentamos o terror
de enfim nos reconhecermos
frente-a-frente com o nosso extermínio
derrubando uma a uma as pedras que
formavam a fortaleza que julgávamos nossa

dilacerados pela verdade choramos
toda a mentira que perdemos
e a ignorância em que acreditamos

na avassaladora constatação da nudez
ante o desamparo, o abandono
aqui, nas profundezas do abismo soltamos
o nosso grito niilista
aqui, onde nada subsiste, lançaremos
os alicerces de uma nova era, e
erguer-nos-emos até aos cumes
estrelas fulgurantes em ascensão
na noite abissal

segunda-feira, 16 de julho de 2007

somos pontos perdidos no infinito
julgamo-nos estrelas
julgamo-nos poeira
mas somos apenas pontos
pontos em interrogação perante a vida
pontos prontos a serem usados
pontos à procura de um sentido
ansiosos por outros pontos
para criarmos intermináveis reticências
para nos agruparmos e sermos manchas

somos pontos
pontos de partida sem porto de chegada
somos apenas pontos de fuga
cujos pontos de vista nos levaram
ao ponto de não-retorno

procuramos um ponto de referência
um ponto de apoio neste ponto de encontro
até ao ponto em que o vento soprará
deixando-nos apenas a nós
sós, desapontados

sábado, 14 de julho de 2007

um pouco mais para que te sintas finalmente a quebrar,
apenas um pouco mais para que afundes.

sentes tudo a fugir, parece nunca haver esperança
os sonhos ao alcance da mão parecem sempre desvanecer-se,
miragens de um futuro nunca materializável.

quando tudo à tua volta são escombros nada mais te resta
além de seres tu próprio um destroço.

os dias sucedem-se, a agonia instala-se,
a lenta agonia do definhamento
que te conduz ao medo.

já deixaste para trás a última estação, enterraste o último filho?
que buscas nas noites que passas sem te conseguires mover?
que voz é essa que te grita e não te dá descanso?

as feridas nunca sararão por completo
arrastarás as chagas pelo mundo
e o vazio engolir-te-á no final...


escrito em 27/2/2003

sexta-feira, 13 de julho de 2007

vivemos uma mentira,
toda a mudança está
condenada
pelo veneno que somos.
não passamos de uma doença
que se quer
fazer passar por cura.
continuamos presos aos conceitos
de um mundo podre
e vivemos nesses valores.

todo o vestígio da moral gera peste.
na nossa cegueira julgamos
poder vislumbrar a vida
mas é apenas a morte
aquilo que tanto apregoamos

apenas nas ruínas encontraremos
o que nos dizemos ansiosos
por achar
e no fogo dos escombros,
aterrorizados
perante o desejo, seremos
a fénix que se ergue
com novo alento.
no frio das sombras,
onde a aparência
não mais existe,
e apenas a forma
se faz valer.
onde apenas a verdade
do contorno,
que cerca toda
esta existência,
tem hipóteses
de subsistir.

onde os olhos
se fecham
e nos recolhemos
ao ventre
da dor
e não mais ocultamos
os rostos.

o desespero transborda
no traço do contorno,
a vida torna-se vazia
quando se lhe retira
o medo e a mentira.
sem nada a temer
todos se acobardam
perante a liberdade.

que as correntes fossem
um pouco mais discretas,
os ferros mais macios,
mas que a liberdade
não fosse total -
eis os lamentos que oiço.
mas a liberdade
só pode ser total.

no frio das sombras,
na nudez completa
onde todos temem olhar-se,
não por pudor,
por cobardia
onde o fogo
queima as entranhas,
mas o vazio
causado pela fuga
da hipocrisia
é de tal modo
incomensurável
que as forças faltam
para caminhar.

o terror mora aqui,
onde te encontrarás.
onde virás procurar-te
quando o ódio contra ti
se tornar insuportável,
quando te cansares
da tua falsidade
e sucumbires
ao anseio de seres
quem na verdade és.

podes vir
a qualquer momento.
podes chorar
o quanto quiseres.
ninguem te aguarda
ninguem chora
a tua partida.
apenas te prometo
a dor da ressaca
o medo
e o desespero.

eis o espelho -
mira-te nele,
é inútil cegares-te
ou desfigurares-te,
o rosto permanecerá
lá, inalterável,
a fitar-te,
nem sequer precisarás de o olhar
para o saberes.

retira os véus
e deixa-te cegar
pela luz ao deixares
o frio das sombras...

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Tenho um livro na "gaveta" já há cerca de 10 anos! A certa altura constatei que havia um fio condutor que atravessava uma série de coisas que escrevia e que era um prenúncio que algo se estava a operar em mim. Uma "transformação", uma "solidificação" de ideias. Como se algo em mim me dissesse que precisava de ordenar uma série de coisas para que elas ficassem como um ponto de referência, uma bóia sinalizadora para a navegação. Durante o período em que procedi à compilação dos poemas que integram esse livro apercebi-me que havia algo mais do que havia julgado ao início, como se várias correntes de interesses que eu tinha, e que acabavam por ser um pouco díspares, finalmente confluíssem num único ponto, um nó que atava todas as pontas.
Tenho um livro na "gaveta" já há cerca de 10 anos! E os poemas que nele estão contidos são os únicos que são conhecidos por mais uma pessoa do que o habitual - além de mim, duas pessoas conhecem-nos.
Tenho um livro na "gaveta" já há cerca de 10 anos! Tão importante para mim que, de tempos a tempos, acho que devia tentar publicá-lo, apenas para acabar por adiar sempre essa tomada de decisão, por achar que aquilo que é extremamente importante para mim pode perfeitamente ser extremamente ridículo para os outros.
Tenho um livro na "gaveta" já há cerca de 10 anos! E este é o seu primeiro poema, aquele que despoletou tudo:

quando o nevoeiro levantar
caminharemos em direcção ao sol
predadores de deus
na estrada para a liberdade

caminharemos no desespero
de uma vida sem lei
abandonados perante o
vazio

filhos do caos de uma era
fratricidas
da aurora ao poente

vaguearemos
como cães esfaimados em busca
do nosso fim

uivaremos a nossa dor
à lua que, prenhe, se
erguerá no céu

loucos perante o abandono
tentaremos devorar os
astros que,
luminosos, nos revelarão a nossa
nudez

sós, perante o meio
que nos gerou
choraremos a liberdade
que não suportamos.

terça-feira, 10 de julho de 2007

quando
no meio dos escombros
te ergues
o que vês?

o solo
esventrado
pejado
de estilhaços

ou
o céu
vazio
das possibilidades?
ergues os olhos uma derradeira vez
para vislumbrar o cume que nunca alcançarás

percorres com o olhar o teu corpo
contemplando as feridas que não param de sangrar

olhas para trás antes do desfalecimento
para te despedires da estrada que aqui te trouxe
e encaras o deserto...
...nada nem ninguém te chora...


escrito em 13/3/2006

um poema com três anos

olhas longamente o abismo
e este abraça-te na sua escuridão
acordas e encontras os escombros
a vida sobrepôs-se aos desejos
e o fogo esmorece aos poucos


escrito em 18/11/2004

um poema com quatro anos

as tuas esperanças vão esmorecendo
como uma linha de defesa sob intenso fogo
és tu próprio que cais, uma e outra vez, perante este assalto

até o prazer da guerrilha se esgota
quando a férrea vontade se retira
para dar lugar ao ocupante

em vão olhas o horizonte em busca
de um novo alento
que teima em não surgir

a vida, apesar de quebrada, prolonga-se
a agonia da rendição é mais dolorosa
do que a constatação da derrota

o fulgor dos últimos raios de resistência
vai sendo obscurecido até nada mais restar
e a noite avançar lentamente até ao último refúgio


escrito em 15/7/2003
vagueamos na noite
tacteando o caminho
em busca de uma referência

respiramos a noite
o seu gelo fere-nos

estamos sós ou somos uma multidão?
neste deambular aleatório
pelas bordas do abismo
estes corpos que por momentos tocamos
poderiam guiar-nos, poderiam perder-nos?

quanto falta até ao precipício?
de quanto precisaríamos?

aqui, neste lugar,
entre a queda e
as oportunidades perdidas
ansiamos um amanhecer
que nos cegue
mas no qual,
no momento entre
o primeiro anúncio da luz
e a última visão do fogo
pudéssemos vislumbrar a vida

mais um blog

E eis que surge mais um blog neste mundo já tão saturado deles! Mais um blog para "atulhar" o espaço cibernético, mais um blog para nos dar a ilusão democrática que todos nós somos passíveis de fazer ouvir a nossa voz, mais um blog para alimentar a nossa cultura egocêntrica e nos fazer achar que somos sempre tão importantes e por isso todos os nossos pensamentos devem ser reflectidos à escala mundial.
Com esta conversa toda isto já começa a parecer um anti-blog! Não o é nem pretende ser. Até porque seria um bocado ridículo.
Este blog surge para colmatar uma enorme falha - pois é, faltava "o meu blog" (lá está a tal cultura egocêntrica).
Como tantos outros (provavelmente a maioria) isto está destinado a ser um espaço onde "despejarei" reflexões e, e este será talvez o motivo principal para a criação deste blog, poemas. Como provavelmente tantos outros por aí fora eu escrevo poesia já há vários anos. Quantas pessoas conhecem os meus poemas além de mim? Uma! Nunca tive coragem de mostrar a ninguém nada do que fazia! O que eu escrevo é tão importante para mim que sempre tive medo da opinião das outras pessoas acerca do que eu escrevia, ou se calhar também nunca me dei com pessoas que eu achasse que pudessem estar interessadas.
É uma atitude um bocado "kamikaze" passar de nada para um blog? Talvez no fundo seja uma atitude covarde - estou talvez a achar que com a saturação de blogs este nunca será lido ou então que estarei sempre resguardado por um certo anonimato tão próprio da nossa "era digital" no qual toda a gente se expõe mas no fundo ninguém nos vê porque as pessoas passam e não olham, lêem e não comentam, etc. etc.
Enfim, bem-vindo, quem quer que sejas que por aqui passas entre uma e outra leitura, este é mais um blog, o meu, as minhas vozes do abismo.