quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

o silêncio é um resumo da vida
a expressão da perda
de rumo
o vazio que nos acaricia
antes de se
revelar
o grito do desespero morto
na garganta da
apatia

um som nulo sem espaço
por onde se
propagar

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

vivemos fascinados pelo
abismo
a infindável vulva rochosa de ásperos
lábios
que nos traga

vivemos hipnotizados pela
queda
pelo quase imperceptível sussurro do
fim

nada verbaliza vida como o
desejo
irracional do seu
término

a ilusão da hipótese de uma
reescrita
do nosso trajecto

nada implica sonho como a
crença
e a sua promessa de salvação
a projectar o fátuo
fogo
sobre a treva que nos rege

nenhuma mentira maior que uma segunda
vida
nenhuma maior que recompensa ou castigo
eternos
que uma justificação para a
irresponsabilidade

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

olho as tuas fotografias e não me consigo recordar
de quando o teu rosto era aquele que me olha nelas
como queria agarrar-te para sempre embalar-te
e preservar-te nesse estado em que ainda sou tanto para ti

amo-te mais do que consigo exprimir
e assusta-me não ser aquilo
que os teus olhos vêem
trago oculta em mim a angústia do momento
em que entenderás que eu nunca
consegui viver à altura do que poderia
ter sido

não sabes a tristeza que carrego e que
não quero nunca que seja tua
nem as noites que prolongo perdido em busca
de algo que nem consigo definir na imobilidade

vivo suspenso entre a realidade que sou e o vislumbre
da minha probabilidade e aí
perco-me na indefinição da hipótese e da capacidade

não conseguirás entender a sucessão de registos temporais
que de ti guardo até tu própria vivenciares os teus
e aí já o tempo sem perdão se terá encarregado
de quebrar os laços

não imaginas o que consigo ver no teu futuro
e como a sua luz contrasta com
o que vislumbro no meu

vivo com o fantasma de uma oportunidade niilista
aguardo a chegada do fim com a convicção
do nada que ele encerra e assim emoldurado
projecto a angústia e urgência da vida
enquanto engatilho e aponto as minhas armas a um alvo
que projecta o seu apelo desde o infinito
sempre tão ilusório

mas disto ainda nada sabes tudo ainda
encerra em si o maravilhoso da descoberta
tudo se reveste de uma película de novidade e albergo-te
sob esta asa protectora que a seu tempo desejarás
não sentir

e nessa distância inevitável da vida sinto
uma nota que vibra infinitamente ressoando
por intermináveis corredores onde o tempo
é medido por afastamentos e não duração
onde o trajecto das vivências acarreta
fronteiras incomensuráveis solidão transfigurada
pela busca de um sonho mas digo-te
nada disto é real nada disto realmente importa
quando na verdade apenas existimos na busca dilacerante
por aquilo que já fora nosso quando ainda não o sabíamos

sábado, 22 de agosto de 2009

há um rosto que eu não reconheço
e que me observa,
de olhos castanhos cansados por horas
não dormidas,
semblante carregado a escrutinar
passado presente e futuro

há um rosto que eu não reconheço
e que me observa
e nos fios do seu cabelo e barba vejo
linhas brancas a redesenharem
um rosto que me observa e não
reconheço
e nos seus olhos agora vejo a cintilar
memórias que nunca viveram,
e o seu rosto endurece denunciado pela saliência
das suas maçãs
e uma fúria cujo olhar sinto a cravar-se
aflora-lhe à pele

há um silêncio que só eu consigo escutar
e que me acompanha
e nesse silêncio estão contidas todas
as palavras que eu escrevi e que nada
mais são que silêncio feito verbo de silêncio
dissimulado

há um silêncio que me acompanha
no rosto que me observa e eu
não reconheço,
um silêncio grande profundo como
se adivinha que outrora foram os seus
olhos,
um silêncio vincado nos lábios nos olhos nas linhas
que redesenham o silêncio branco grave
com a solenidade dos anos

há silêncio num rosto que me observa,
desvia o olhar quando desvio o meu,
que me fita não me reconhecendo
no silêncio da memória...

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

afinal a angústia não cessou com o fim da adolescência,
a desorientação tornou-se regra e os objectivos
foram caindo na areia beijada pelas ondas e o vento

as horas são passadas a tentar travar a sua passagem
como se estivesse sempre presente a voz do personagem que repete
"esta é a tua vida, e está a acabar, um minuto de cada vez"
a percepção do tempo mudou e com ela
a percepção da esperança, da justiça.

a monotonia diária que estilhaça a vontade e abre
subrepticiamente a porta à loucura,
é uma máquina cuja cadência esmaga a fúria

restam seres isolados em casulos vivendo
ilusórias vidas de ecrã rodeados de
nomes fictícios

consideramos arte a mancha escarlate
que corre da intervenção da lámina
no nosso pulso

rendidos à apatia de um não-futuro,
uma não-vida num não-tempo
profundamente sós.

sábado, 25 de julho de 2009

o objecto permanece imóvel, indiferente
às forças mentais que pensam em
movê-lo
enquanto elas próprias se debatem
com outras forças que ditam a sua
inércia.

o ponto de focagem esbate-se e o ruído
ocupa o lugar onde anteriormente existia
concentração.

a cadência da máquina, o narcotizante
murmúrio
que se insinua dizendo
não és mais que a tua sombra
definhada...

sexta-feira, 10 de julho de 2009

o vazio assume proporções inimagináveis.
é difícil combater a sensação de derrota
que se impõe, insinuante, silenciosa,
no quotidiano desconexo.

o silêncio encobre o desespero
que se desnuda na antecâmara
do desejo.

a nota que não vibra,
a reverberação que não se estende,
a imagem muda que olha
de semblante vazio.

o corpo estranho que o espelho
devolve
a estrada que passa ao lado,
de acessos incógnitos.

e no fim o tempo na sua marcha,
o tiquetaque que, mesmo negado,
está sempre presente...
sempre presente...
sempre presente...

sábado, 18 de abril de 2009

as palavras fizeram-se anunciar
na melancolia do fim
de dia
quando as últimas reminiscências
do sol
recortavam a fogo o contorno
das nuvens
e a vermelhidão do céu não conseguiu
contrapor o peso à sombria ameaça
que pairava
sobre o mar

redesenharam-se no horizonte os trajectos
que o corpo não percorre e o desejo
tece
alheio à crueza da realidade que aguarda
cada novo despertar

os vultos assumiram a sua forma
na noite que se desdobra
na sempre perdida batalha travada
contra o cansaço
acercaram-se
anunciaram-se
enunciaram os seus nomes
ao longo do trajecto
como marcos miliários numa qualquer
via de derrota
relataram o seu percurso e invocaram
a memória
do seu nascimento e nomearam
o esquecimento a que
foram votados
como a guitarra que aguarda
nas cercanias da secretária
muda
intocada
como um corpo que arde no desejo
não
consumado
como o livro que aguarda
enterrado
sob uma pilha de objectos
não
remexidos
e as fotografias que aguardam
um novo olhar que as resgate
ao seu destino
aleatoriamente
arquivado

os vultos falaram
sobre a tragédia para lá dos dias
na frieza do fim
e na agonia
do violento despertar para a morte
no culminar
de uma vida
vazia
lamentaram a inexactidão
do traço
deixado
sobre o solo
da estática errância
e de como
o verbo por si só
nada cria...

quinta-feira, 9 de abril de 2009

passeio-me etéreo onde outros vivem
sempre a coberto das sombras, pelos recantos
evitando os olhares.

detenho-me a contemplar
a naturalidade dos outros que nunca
fará parte de mim.

e ninguém desconfia
do fogo que arde,
quando me olham de soslaio
e pressentem
a intrusão do meu olhar,

nem ninguém consegue
descortinar os meus passos
na noite
que me acompanha.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

nessa estrada que se embrenha nas profundezas
ultrapassamos o nosso último marco a cada
nova viagem,
nessa estrada que nos conduz aonde sempre negamos
que chegaríamos.

a cada novo passo, nova jornada, banindo
a esperança dos nossos destinos,
passada pesada na inevitabilidade do confronto
com a negrura que olhamos de frente.

e, no entanto, quão fina é a linha
entre a coragem e o abandono enquanto descemos
por esse caminho ventoso e frio, juncado de pedras
que ora nos detém ora nos impelem
para uma queda maior.

que violência nos aguarda no fim,
que esquecimento?

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

antes que a noite caia
e a tua memória de mim se desvaneça
antes que a noite caia
antes que um adeus possa ser proferido
e partamos trilhando diferentes caminhos
antes que a noite caia
e na escuridão a minha mão
já não consiga tocar a tua
antes que a noite caia
e nessa noite o sonho
daquilo que desejava ser se desvaneça
e os meus olhos já lá não estejam
para te fitar
e a minha voz já não seja ouvida
para te sossegar
antes que a noite caia
embalando a melancolia
numa última sonolência
antes que a noite caia
sem que o dia me esclareça
os porquês que me assombram
deixando no ar um amargor
que acompanha o último suspiro
antes que a noite caia
retém de mim aquilo
que não queres que o tempo te furte
quando ele se encarregar de ocultar
as marcas da minha presença
nas ondas que gritam junto às rochas
antes que a noite caia
e o cansaço se apoderar do meu corpo
e o desespero da minha mente
trazendo consigo a memória
das horas perdidas a contemplar o desespero
das horas perdidas no desespero
antes que a noite caia
e o silêncio encontre o meu silêncio e saiba
que há muito a noite já caiu
antes que a noite caia
e se aperceba da ironia que sempre foi
caminharmos lado a lado quando eu
sempre aguardei que o dia se erguesse
antes que a noite caia
antes que a noite caia

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

este vazio devorador
que marca presença nas encruzilhadas
em que somos chamados a decidir
sobre o trajecto que tomamos
para o nosso fim

e nos consome em largos tragos,
vultos desenhados pela lesta mão dos nossos medos,
da nossa apatia, da nossa falta de definição.

sentirmo-nos deslocados num mundo que sempre nos parece
dominado por uma cristalina riqueza de pormenores
que esbate o nosso contorno até uma suavidade etérea,
desvanecente, nula

e nós teimosamente a debatermo-nos,
última resistência de uma inevitável presa,
teimosamente alheios à crueza
da futilidade de uma existência consagrada
ao seu próprio extermínio
sem a percepção necessária para concluir
que o vazio em nosso redor é
a nossa própria projecção.