quinta-feira, 29 de maio de 2008

shhh!!! repousa
deixa que hipnos traga
o beijo do esquecimento,
o abandono, o repouso,
o breve instante
da queda.

deixa-te seduzir por esta
canção encantatória que
ao longe
as ondas sussurram,

ouve com atenção
e repara
no murmúrio lúgubre
das rochas acariciadas
pelo mar.

deixa-te levar
às longínquas costas
em busca
de novas fronteiras
para transpor.

empreende a viagem
ao fim da noite
numa caçada selvagem
nessa floresta onde és
caça e caçador.

ergue-te para a beleza
dos primeiros raios da aurora
a banharem
a tua redescoberta
nudez.

shhh!!! não acordes ainda
fica um pouco mais
resiste à tentação do despertar
e foge
em direcção ao último reduto.

shhh!!! não vás ainda
pelo menos aqui
ouve os deuses esquecidos
pronunciarem o teu nome
e quando partires
deixa uma única lágrima
rolar-te do rosto até
este solo
onde ainda buscas
refúgio...



(banda sonora: asva - "what you don't know is frontier")

quarta-feira, 21 de maio de 2008

sei que não temes a chegada da noite
e o que ela traz. a hora
em que o teu rosto se transfigura em mil desejos
de uma liberdade indizível, e vagueias
como um réptil em busca de calor inebriado
pelo odor a sangue que paira no ar.

conheço esses anseios, dissimulados
sob a fina camada de brilho,
que aguardam o momento.

reconheço em ti esse ensejo de
à bruxuleante luz das chamas
matares o teu irmão quando devias
dilacerar a garganta do carcereiro.

sei que não entenderás esta dor
até à alvorada
quando os primeiros raios de sol
penetrarem a caverna
e chorares pela noite que ocultava
a tua bestialidade.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

reconheço essas asas que me exibes
com as suas plumas onde a melancolia
e o desejo se entrelaçam criando padrões
de sonho e desespero.

reconheço o desenho dessas feridas que me mostras
e sei em que falha geográfica as conquistaste,
em que condições, em que momentos, quando desejaste
que tudo cessasse num derradeiro beijo.

estas árduas conquistas, breves triunfos arrancados
às mãos de uma perpétua agonia, aqui e ali
entrecortada pelo som de gargalhadas que pulverizam
todas as ameaças de derrota.

sei onde foste buscar a força que te mantém
irredutível no voto de resistir contra toda
a ânsia de rendição à noite final.

caminho como os lobos, a uivar à lua os sonhos
que uma maldição se encarregou de negar
e observo furtivamente, olhos lampejando de ódio,
a realização do que me negam.

sou um deus solitário de uma religião esquecida
com uma raiva por saciar de mil holocaustos.
do tempo assisto à passagem, escondido, dissimulado,
aguardo, aguardo a chegada do grande cisma
quando o desespero fenderá as portas
da minha prisão e a ânsia de sangue
erguer a cabeça e vaguear livre.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

vagueamos na penumbra perseguidos
pela majestosa altivez do que fomos
projectando sombras cuja verdade
não aceitamos.

que tortuosos labirintos somos levados a percorrer
até aceitarmos, já sem resposta, a derrota infligida
de semblante baixo, sonhos abandonados, joelhos flectidos!

agora, que a resistência cede o seu lugar ao desespero,
e a noite vai chegando com o cansaço que se insinua,
repousa uma última vez junto ao umbral para o jardim
e chora perante a visão do inalcançavel.

partimos ao crepúsculo, cabeça baixa, enfileirados para o esquecimento.
quando chegar a aurora, as nossas pegadas na areia
já há muito terão sido apagadas pelo vento...