sexta-feira, 31 de agosto de 2007

fere-me a ausência
a tristeza que acompanha
o desejo

a voluptuosidade inata
por vezes
negada

servida com uma sensação
de perda, talvez
prisão

esta insaciável necessidade
de consolo
de satisfação

uma dor que se crava
aguda, profunda
e fina

como a lâmina
com que um negro dia
por cinco vezes golpeei
o meu antebraço

caminho que jurei
jamais
voltar a enveredar

é tudo sempre (d)escrito
no momento em que as fissuras
se tornam visíveis

quando todas as sensações
se tornam intensas
demasiado intensas

quando tudo parece
escapar-te por ínfimas
distâncias

quando caminhas
na invisibilidade
da vida

terça-feira, 28 de agosto de 2007

é preciso fugir
fugir de todo o ruído
que tolda a criação
fugir da realidade castrante
da loucura desta normalidade
do quotidiano estéril

quotidiano de destroços
e meios-seres
taciturnidade imposta
por vicissitudes da vida
permanente fractura

experiências na obliteração
sofrimento em vida
para glória póstuma
mais um altar
na galeria dos malditos

propriedade da humanidade uma ova!
estar-se grato
pelo sofrimento, a apatia?
sanguessugas inúteis
sofredores por procuração

em cada poema a ira, a volúpia
da destruição
doses de experiências frustradas
buscas, depressão
a opressão mental da fábrica
"arbeit macht frei"
o espírito da fábrica
sem glória proletária
apenas um imenso vazio
a sugar-nos a humanidade
a drenar-nos a vontade

ad astra per aspera
ad majorem gloriam

inutilidade agridoce
máximas ocas para conter
a fúria
repouso narcotizante sob o falso
consolo da justiça divina

cada dia uma batalha
cada criação uma vitória
movimento perpétuo
pequenos vislumbres de
uma fuga maior

imaginação sem limites
criação sem dogmas ou regras
a criatividade é a força motriz

escrevo na frente de batalha
no meio do alvoroço
escrevo no silêncio
sob o olhar dos demónios
escrevo na solidão
sob a alçada do medo
escrevo escrevo escrevo
aos poucos
por entre o ruído dos dias
um murmúrio
insinua-se

uma... duas... três...
mil vozes em crescendo
formidável estratégia arquitectónica
erguendo torres de retiro

e, subitamente
silêncio...

as portas abrem-se
de par em par
entra-se no refúgio
passos a reverberarem
na imensa solidão

sintonia com o sagrado
ou loucura depressiva
apenas o desassossego importa

a insaciável demanda
por verdes oásis
na estéril existência

terça-feira, 21 de agosto de 2007

e tudo isto são vozes do abismo
marcas do meu falhanço, sinais
da minha descoberta
instantâneos de fracasso, devaneios
na solidão
retratos de decadência e doença

e tudo isto são caminhos no desfiladeiro
trajectórias erráticas no planalto
da desolação
percursos entre sombras e conhecimento
reflexões no silêncio

e tudo isto são mapas
percursos iniciáticos de uma
quási religiosidade niilista
ascensões na descida

e tudo isto são relatos de viagem
a destinos que talvez desejasse
ignotos
quanto de mim vê nisto repulsa
e quanto vê atracção

e tudo isto são fracturas
desabamentos, passos em falso
na orla do precipício

tudo isto são cicatrizes
pontos de referência
marcos geodésicos na
espiral descendente

tudo isto é depressão
tudo isto é busca
tudo é melancolia, sonho
nascimento ou destruição
tudo é apatia

tudo isto é angústia
tudo um ponto
de convergência
correntes subterrâneas em
manifestação na fugacidade

tudo isto é sexualidade, tudo é misticismo
tudo isto são momentos de liberdade
tábuas de salvação numa vida
à deriva, porto seguro
na tormenta

tudo isto é chama
irradiando imensa
na noite

tudo isto
é tudo...

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

sou uma criança que desconhece
os seus limites, incapaz
de atingir os seus objectivos
sou um desejo perdido, uma breve
realização alcançada e ultrapassada
nunca sossegada na sua ténue chama

sou um sonho distorcido
tons sombrios e carregados
dor, infantil dor, num mundo
onde o prazer reinaria supremo

sou o infante do imediato
não sei buscar a eternidade
na brevidade do momento

sou queda, sou dor, percepção
da vulnerabilidade demasiado adulta
que marca o meu trajecto

sábado, 11 de agosto de 2007

aguardamos partidas
ansiamos chegadas
a vida jamais fica
estática

vivemos momentos que queríamos
eternamente repetíveis
até à sua exaustão
até que o seu significado
desaparecesse

temos ânsia de fuga
desejo de refúgio

somos piratas em busca do nosso
porto seguro
antes de nos lançarmos
ao saque

detemo-nos antes do salto
da imersão na
(ir)realidade
caminhamos pelo nosso tempo
em busca da
fugacidade do momento

pesamos erroneamente o que
nos rodeia
perdidos na contemplação
do imediato

pontos perdidos
sob o firmamento
no meio da imensidão
onde toda a grandeza
empalidece

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

à distância o mar debate-se continuamente com a areia
não mais sussurrando o meu nome
tenho ânsia de partida
e saudade
antes do início da jornada

sento-me na ausência
no silencioso estilhaçar do sonho
no momento em que tudo desagua
nesta imensidão que já não mais me fala

é um vazio que se instala quando
constatas que o murmúrio cessou
ao passares os limites
dos portos da tua juventude
todos os mapas náuticos caducaram
e navegas à deriva

por entre ilhas e rochedos solitários
procurando racionalizar uma rota
que apenas o acaso te ofertou
na verdade a glória sempre te foi alheia
na verdade a glória sempre me foi alheia
vivemos dias de incerteza com o futuro
a carregar-se de tons progressivamente mais escuros
corrigimos rotas, reanalisamos os percursos nos mapas
mas sabemos que o destino será sempre uma incógnita

no cais abandonamos opções e objectivos
no alto-mar teremos apenas o acaso
mas o bilhete que compramos não incluía
o uso de salva-vidas

navegamos na obscura noite
angústia em antecipação do choque
na gélida corrente
os destroços de outros naufrágios cercam-nos

investimos na bruma
cabeças erguidas e espíritos temerosos
seguros na queda e duvidosos da chegada

zarpámos com urgência deixando
uma distância eterna entre nós
e a costa
navegamos sob um céu carregado e sem estrelas
sem instrumentos de auxílio à navegação