quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

ouve-me. sou a tua voz, de novo, aquela que te encontra
no contínuo sussurro que não sossega.
ouve-me. é de novo a voz do abismo que te chama.
a tua companhia constante nas descidas ao subterrâneo.
ouve-me. quanto tempo se passou? foram semanas, meses?
tudo se concentra neste momento.
a hora em que a mente divaga, o olhar fixo penetra o vazio
e a mão automática pega na caneta e mancha o papel.
sim, o papel, essa tela onde se imprime a fúria, a incerteza, o erro.
esse quente registo humano, físico como eu, a voz que sussurra.
que observa, que toma notas, que vai tecendo a tapeçaria
na qual te deitas nos teus momentos de grave solenidade, de desespero, de tristeza.
a tapeçaria onde te deitas e sentes todos os seus filamentos
a procurarem contacto com esse corpo, essa mente de onde saíram.
ligação directa ao centro nevrálgico da experiência.
onde a vida se preenche no contorno das cicatrizes que sulcam a superfície
no planalto da loucura.
sim, é do físico que se fala. esta é a escrita da terra.
é a marca impressa na lama seca quando o fogo desvaneceu
a beleza primordial da água e o vento expôs a crueza do solo árido.
ouve-me... eu sou o sussurro que percorre o deserto e te mostra
a entrada da caverna.
ouve-me... e sente na carne a dor dos primeiros passos
quando almejas as estrelas mas a queda te recorda o teu verdadeiro lugar.
ouve-me... envio-te sílabas soltas no vento, embalo-te na água e
seduzo-te no fogo. ouve...
o caminho está para lá das montanhas, nas falésias que o vento
acaricia e molda nas suas investidas.
o caminho está para lá dos oceanos que vêm a aurora.
o caminho está onde tu estás...