sexta-feira, 26 de outubro de 2007

um murmúrio faz-se anunciar, como um prenúcio
da tempestade que se avizinha.
ao contacto com as cordas a avassaladora força do som
preenche o vazio evocando a fúria da criação.
a reverberação faz a nota distender-se almejando o infinito.
a mão ataca uma e ainda outra vez, numa cadência
que nenhum metrónomo dita, e que apenas busca
o contacto com as mais primordiais forças em acção
repetindo entoações como num mantra
cuja intensidade cresce tenuemente até nos envolver por completo
num ritual xamanístico com a guitarra
onde se alcança a comunhão com esse monolito sónico
que atravessa toda a existência desde tempos primevos.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

escuto a voz do silêncio, a ausência de quem parte,
e ouço o frio que se avizinha no prenúncio dos dias.
sinto o abandono roçar ao de leve a sua asa
e projectar-se na distância que cria.

sei que no fim estaremos sós, na derradeira viagem,
e que o vazio sentido na vida perfila o vazio da morte,
acolhedora na sua nula essência.

tudo se processa aqui, neste lapso temporal que baptizamos de vida,
toda a paixão, todo o ódio, todo o sonho, toda a tristeza.
o desconhecido é o dia-a-dia, a sua incerteza.

no fim a morte recebe-nos na frieza do seu abraço
e concede-nos a chave para a sua mansão,
onde esvaecemos no oblívio, no nada absoluto,
no repouso...

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

habito no silêncio, mais que um refúgio ele é
uma constante. mais uma dessas constantes que
juntamente com a solidão se entranha, me separa,
para o pior, fazendo-me sentir só, no meio da turba.

este silêncio em que continuamente peso e repeso
decisões tomadas ou não, que sempre me trouxeram
hipóteses perdidas e realidades não desejadas.
e essa solidão feita de beijos ausentes e carícias
perdidas para não mais voltarem, deixando apenas
a sua teimosa memória e a reluctância de constatar
que a vida já não é mais a mesma, que os anos passaram
e que o futuro jamais será igual.

detenho-me nas multidões olhando em redor em busca,
nos rostos que perscuto, de alguma anuência, um
reconhecimento, desses que nunca consigo obter.
mas, na realidade, estou sempre para lá da barreira
da invisibilidade, da frieza, em que este mundo
há muito se tornou.

esta vida sem norte, terrivelmente vivida aquém
das capacidades, das promessas, dos anseios,
com valor reconhecido por quem nada pode fazer,
esta vida, esta mesma, encontrou motivos para
o seu definhamento, a sua nulidade, quando tudo
deveria ditar o seu término.

por vezes cansam-me, enfurecem-me, estes monólogos
feitos de negrura que vou deixando pontuando momentos
plenos de uma quase ausência de comentários.
irónica marca de uma existência de vazios,
de sensações semi-vividas, de objectivos adiados
sine die. sic itur ad astra, sic itur ad nihil.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

fotografo com a mente a minha permanência no teu corpo
e revivo durante o dia a visão desse eclipse.
pressinto na tua pele esse desejo que aguarda
oculto na alva beleza desse místico contorno
onde me perco, onde me encontro.

esse terno abismo de celebração da vida
vulvar templo de um culto ancestral
revelado no forte pulsar deste sangue
que dilata, inebria, embala na sua magia carmim.

somos eternos viajantes, exploradores na demanda
da feérica revelação que incandesce as falésias abissais,
nos ergue das profundezas, num grito que surge
de secretos reinos que nos recebem numa luz brilhante,
onde és deusa, minha consorte, e somos estrelas no firmamento.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

partes com destino a todo o lado
sem nunca chegares a parte alguma.
és da geração esquecida, perdida.

catapultas os teus objectivos para lá
de horizontes longínquos e corres
atrás deles num trajecto de destroços
findo o qual te debates
com a intransponibilidade da barreira última.

tens um oceano de possibilidades
num mundo de restrições regido
por valores incompreensíveis no seu fundamento,
no seu funcionamento.

arde em ti a chama, aquela
que tantos almejam sem alcançar.
aquela, que não te alumia mas
te consome.

prossegues a tua caminhada na ausência, na incerteza
do porvir e das formas de que ele se reveste,
com a errância entre os teus fragmentos
como única constante nesta caótica equação.