quarta-feira, 28 de novembro de 2007

é um lugar morto, aquele
em que eu deposito as minhas
memórias.
um lugar vazio que apenas contabiliza
as minhas regulares visitas.

as coisas são como são, eu não
sou uma coisa por isso limito-me
a não ser,
a continuar, a persistir, talvez
estupidamente, a desabafar.

triste reflexo desta a-sociabilidade
tão profundamente entranhada
como a pele que eu visto.

não tenho um conceito de escrita, tenho
um conceito de vida
e tudo o que me impele orbita
em torno do mesmo objectivo.

estou à espera do alinhamento planetário
do momento
em que uma única linha recta trespassará tudo
em direcção ao centro.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

sei as sombras que guardamos no mais recôndito de nós,
conheço todo esse ímpeto de destruir que escondemos
repetindo continuamente que tal desejo não é real,
apenas fruto de alguma mente doente,
e digo-te que o mundo enlouqueceu e apenas nós o sentimos
de cada vez que escolhemos violar a sacralidade
de trilhar o nosso próprio caminho.

sei que a vida não o é sem dor
e que apenas em nós reside o divino
e digo-te que nenhuma recompensa eterna
coroará o teu sacrifício.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

fixo na ausência do tempo os trajectos para o mesmo destino
suspenso neste estado de perpétuo adiamento
perdido em caminhadas convergentes para um nulo centro.

circunscrevo o objectivo.
sou um cometa em trajectória rasante
falhando sempre por escassa distância
o âmago.

aguardo permanentemente o choque.
fundo uma cultura de destruição e projecto
os monumentos que deixarão a sua prova de vida.

confino-me ao silêncio, aos diálogos com as paredes nuas,
onde vou destruindo, uma após a outra, todas as fortalezas
de dogma.

rebaptizo-me em negrura, coroo-me divino.
sou o adversário, o oponente. chama-me legião, pois eu
sou muitos e nós aguardamos...

aguardamos afiando as facas, aguardamos
que a fénix se erga, e à trémula luz das chamas
possamos procurar a liberdade...

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

acordas, sais, chegas ao emprego,

trabalhas, sais, chegas a casa,

dormes, acordas, sais, não chegas a lugar nenhum,

trabalhas, sais, foges para esquecer que os dias se repetem

até à náusea,

reduzes o período de sono, acordas esgotado,

sais, chegas a um buraco de nulidade,

passas o dia alheio, sais, viajas para o sonho,

não chegas ao sonho, desistes, vais dormir esgotado,

acordas cansado, sais, chegas, a quê? não sei,

ficas por lá, sais, regressas ao esquecimento,

e o que ias fazer hoje? pois, também não sei,

adia-se mas não faz mal é sempre assim,

pousas ao de leve na cama, arrastas-te para fora dela,

sais, para onde vais? é sempre o mesmo,

chegas, ficas , partes mas nem por isso,

chegas, deambulas, esqueces, adormeces, acordas, sais,

começas a notar algum padrão? chegas,

começas a sentir algum desespero? sais,

será apenas isto? chegas, será apenas isto? dormes,

não há respostas, acordas, não vês soluções, sais,

chegas, dormes, acordas, sais, chegas, acordas, partes, dormes, sais, chegas, acordas,

tudo igual, tudo igual, tudo igual,…

... … … … … … … … …

vives na expectativa de um dia conseguires fugir a esta loucura inútil que apenas te cerceia as capacidades que sabes ter mas das quais nunca usufruis

perdido num dia-a-dia de nulidade em que apenas sentes os muros que te cercam a adensarem-se cada vez mais enquanto a tua intensidade cresce

forçado a um definhamento que viola o mais profundo dos teus sonhos, e quantos outros viverão esta estupidez, este insulto, de se conformarem

a uma vida de mediocridade com o único intuito de conseguir sobreviver quando a sobrevivência não passa de um fraco substituto de uma verdadeira vida

vivida no mais pleno das suas aptidões das suas aspirações, entregue a um estado onde não existe evolução não existe desafio nem compensação

que justifique qualquer empenho que se possa ter mas o qual incrivelmente ainda é esperado e ainda por cima até exigido

e que solução é que tens em vista quando ironicamente cais num buraco que nem novas oportunidades nem ingressos especiais na universidade contemplam

e mesmo que contemplassem o que irias fazer se a merda do ordenado nunca chega ao fim do mês quanto mais para pagar propinas

de um curso findo o qual ainda não terias obtido as “cunhas” necessárias para arranjar um emprego neste filho da puta deste país

que continua a arrastar-se num lamaçal sem solução à vista enquanto todos os meses nos vendem a ideia que o desemprego diminuiu, e no entanto

toda a realidade que constatas diariamente contraria isso, e isto não é nenhum delírio isto é a vida que eu enfrento é aquilo que eu vejo

quando vou no autocarro, quando ouço as pessoas, quando constato a quantidade de fábricas que eu já vi fecharem e penso no que isso se salda

em termos de vidas humanas, em famílias atiradas para o sobreendividamento sem solução à vista

e no meio de toda esta realidade de todo este duche frio de vida o que resta para a poesia, para sonhar, para viver,

e isto nem sequer tem pretensões de ser poesia isto é a vida, vida sem auto-censuras sem métricas sem preocupações nem rimas

vida sem floreados em que contas os teus problemas por metáforas, vida sem figuras de estilo sem nada

a realidade escarrapachada aqui com toda a crueza da linguagem, com os caralhos que usamos o fodidos que estamos e a puta que os pariu que berramos

desesperados por não vermos solução neste caralho deste ardil em que nos metem e que dizem que faz bem à economia

enquanto nos fodem os direitos que outros antes de nós tanto sangraram para obter e nós de braços cruzados sem fazer a ponta d’um corno

e como bons portugueses lamuriamo-nos que esta merda nunca mais melhora e que nos outros países é que é enquanto nos esquecemos

que nos “outros países” se tira cú do sofá e se vai para a rua para fazer alguma coisa e nós por cá orgulhamo-nos de ter feito uma revolução

em que quase não se disparou um tiro quando devíamos era ter tirado a tosse a uma data de filhos da puta

e se calhar assim as coisas até tivessem melhorado um bocadinho, mas não, preferimos ficar nos nossos brandos costumes

que disfarçam o nosso real conformismo e a falta de vontade de fazermos alguma coisa que realmente provocasse uma mudança

ou se calhar não, porque sinceramente às vezes duvido que teríamos capacidade para realmente mudar o que quer que seja,

e enquanto oscilamos entre estas indecisões que não nos levam a lugar nenhum só nos vamos enterrando mais e lavando as nossas mãos da responsabilidade que possamos ter

mas também ao fim e ao cabo acabamos por nos ver tão presos e angustiados em conseguir aguentar tudo com que nos deparamos diariamente que nem nos afastamos

para conseguir obter uma panorâmica maior de tudo isto em que estamos enfiados mas também é suposto ser mesmo assim

para que não nos comecemos a dar ao trabalho de questionar uma série de coisas que não é suposto questionarmos

e aliás até deve ser por isso que cada vez se aposta menos em disciplinas do pensamento porque já sabemos aonde é que isso levaria

e até fazem bem e têem um terreno fértil para isso na tradição cultural deste país que se exprime tão bem em todas as vezes que me dizem

“não penses que não vale a pena” e ao que eu respondo “se a opção é não pensar e tornar-me igual ao que eu vejo à minha volta então não obrigado”

mas obrigado vou sendo a aguentar isto porque no fim de contas não existem propriamente alternativas viáveis e parece que toda a gente menos eu consegue arranjar empregos melhores

sem que isso signifique necessariamente que sabem mais ou que sejam melhores no que quer que seja mas enfim é a merda da sorte

que vá-se lá saber porque raio nunca quis nada comigo quando eu até nem me importava de ter um tórrido caso com ela mas enfim

a sorte é uma puta que se dá ao luxo de escolher os seus amantes e aparentemente eu não devo despertar grande interesse para tal

e com esta conversa lá pareço estar eu de novo a lamentar-me quando na realidade não, estou apenas a relatar os factos que vejo à minha volta

como se isso importasse, como se fizesse alguma diferença o que quer que eu possa estar aqui a dizer

já sabemos como as coisas funcionam e isto não conduz a nada e de pessoas em pior estado que eu está o mundo cheio

pessoas que apenas se preocupam em chegar ao dia seguinte e não podem estar cá com mordomias de se sentarem para escrever sobre isso

e se o fizessem será que quereríamos saber porque no fundo a dureza dessa realidade estilhaçaria por completo o bem-estar que usufruímos

e realmente isto é cada vez menos poesia isto é um manifesto isto é um instantâneo isto é um fragmento da vida

registado no início do século vinte e um, em dois mil e sete para ser mais exacto, algum tempo depois de eu ter completado trinta e quatro anos

uau, trinta e quatro anos, sempre pensei que as coisas seriam bem diferentes quando tivesse esta idade mas, hei, toma lá disto para veres o que é bom

e para a próxima vê lá se tomas resoluções melhores na tua vida, azar do caralho porque só vivemos uma vez e eu até nem acredito em deus

e é por essas e por outras que acabo sempre duplamente fodido porque nem o raio do consolo espiritual tenho para justificar o que quer que seja

e tudo isto está aqui a ser disparado em catadupa numa autêntica vertigem e isto nem sequer é uma voz do abismo

isto é o abismo, sem floreados esotéricos, sem misticismos, apenas o grandessíssimo buraco sobre o qual caminhamos

e que nem sequer sabemos quando termina, e mesmo terminando, tal como isto aqui até quero ver quem é que vai aguentar até ao fim

sim porque correndo bem ou não é sempre para lá que caminhamos sempre sempre inevitavelmente para o… fim.