sábado, 29 de setembro de 2007

e o que te deténs a contemplar na brevidade
das horas mortas do dia?
o desvanecer de sonhos, o abandono de objectivos?
todo o negrume em que te afundas e te tolda
os movimentos em direcção à costa

e o fúnebre silêncio em que te encerras o que alberga?
a chave para a tua obra e a tua suprema mácula
essa eterna sensação de derrota a partir da qual
crias enquanto asseguras porém a tua
queda

quantos fragmentos de ti tens de gerir
enquanto o todo aguarda na sua
sempiterna condição de esquecido?
como poderias contabilizar a enormidade
das horas de sono perdidas pelo terror
que te impele nessa busca insana
ao mesmo tempo porém que
esgotado te entrega ao leito ainda vazio
dos objectivos alcançados

cruel ironia ao nesta fuga do vazio presenciares
o teu próprio ocaso
como se um corpo não desejado se colasse a ti
continuamente segredando-te na sua lascívia:
"não importa o que faças ou tentes fazer
tudo é em vão e coroado pelo fracasso"

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

detenho-me a contemplar esse horizonte de alvura
sinuoso no seu contorno que alberga mistérios mil.
percorro todos os trajectos do prazer até ao centro
onde a carne rosada se expande para me beijar docemente
no momento em que dois mundos colidem, se unem
por esse fragmento de ígnea terra de ninguém
onde não sou mais eu, não és mais tu
perdidos nesta dança onde contemplamos
a primeira aurora, o crepúsculo, o abismo

terça-feira, 25 de setembro de 2007

tacteio a tua ausência, esse lugar
vazio dos desejos que preenchem
as horas que separam o repouso
feito de afagos, suor e a ondulação
dos corpos na incansável busca
por um momento cristalizado
feito de eternidade

e nessa ausência inscrevo, catalogo
todos os fracassos que marcam
esta caminhada que empreendo
abalado pela constatação
da sempre inerente derrota

essa ausência que preencho
com a esperança, os sonhos
acumulados ao longo de anos
de um dia tactear essa geografia
de desejos, realização, presença
e encontrar aí o refúgio que sacie
toda a dor que me encontra

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

sou a sombra que te aguarda
sou a chama que não se apaga
sou o fim da jornada

sou a hora do lobo
sou o desespero dos dias
sou o sonho fugidio

sou o ímpeto da descida
sou a porta oculta
sou o abismo que contemplas

sou o porto que não alcanças
sou a paz que não encontras
sou o êxtase que não te liberta

sou o medo que te consome
sou a dor a que não escapas
sou a angústia

sou o fim
sou o nada
sou o teu reflexo

sou uma saída
sou uma saída
sou uma saída

domingo, 16 de setembro de 2007

chegas ao crepúsculo envolta nos teus mantos de manhã
e eu já na obscura noite a tentar alcançar
um fragmento sempre negado dessa eternidade
que trazes impregnada olhando-a de soslaio
enquanto questionas o seu poder

sinto no ar um presságio de queda
sempre tão avassalador
sinto em mim uma ânsia de ascensão
sempre aniquilada

e nas profundezas em que mergulho sinto
o cheiro a sangue a estender-me o seu apelo
exibindo a destruição como um narcótico calmante
que devo tomar para sobreviver

de profundis clamavi
lama, lama sabachthani
mas um silêncio quase escarninho
é a única resposta

prossigo na convicção do desassossego
na busca de míticos bálsamos
enquanto me detenho em sucedâneas fugas
repletas de breves inverdades

aguardo solitário no cais o navio que me ensine
o prazer da viagem, o caminho da aurora

na lonjura deste lugar perdido
algures numa fissura do espaço
imóvel, condenado
a ver a evolução desfilar perante mim
eterno espectador, nunca participante
registo efemérides sem nunca ser assinalado

terça-feira, 11 de setembro de 2007

o caminho estende-se até ao horizonte
sempre, sempre, em abruptas quedas.
somos o primogénito sacrificado a moloch
nosso é o sangue que fertilizará o campo
que acolheu a batalha

esse mesmo sangue que se imiscui
em cada letra aqui disposta.
e quanto disto julgas ser imaginação
e quanto confissão?
julgas ver aqui a tua dor
mas esta jamais é partilhável.

quando falo de abismos, quando me cubro de símbolos
são minhas as chaves que eu giro
é minha a verdade que invoco

apenas eu trilho este caminho
nesta noite profunda, para lá da hora
em que as bruxas empreendem a sua
furiosa cavalgada

aqui, algures, entre a exaustão
e o beijo de morfeu
sempre aqui, no centro
da vulnerabilidade
quando o desespero é mais intenso
a verdade mais acutilante, a dor
sempre presente

dançando só neste negro sabbat
em lúbrica nudez abraçando
toda a treva íntima em desafio
à ordem celestial

segue o fluxo
nómada à deriva
na torrente

quando crias
antes de questionar
imerges

não te perdes
por escolha
perdes-te
porque não existe
alternativa