segunda-feira, 30 de junho de 2008

uma mancha indistinta
na voracidade dos dias.
uma mancha indistinta,
como algo pelo qual
passamos a grande velocidade,
incapazes de percepcionar
a sua verdadeira forma.
uma mancha indistinta,
sobre cuja memória
(quando ela ainda resta)
projectamos a nossa própria concepção
daquilo que ela seria.
uma mancha indistinta,
cujo verdadeiro sentido
entra no campo das hipóteses.
uma mancha indistinta,
que porventura não o seria,
se nos detivéssemos a observá-la
na voracidade dos dias.

domingo, 29 de junho de 2008

império em expansão, os limites a transbordarem,
dilatando a percepção do que é real.
aquilo que não conhecemos é a fronteira
sobre a qual projectamos os nossos receios.
insinuante rendição à imobilidade, à estagnação.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

uso o fio de ariadne para tecer a rede
em que me suporto e espalho nesta
obra translúcida os fragmentos que me formam.
não presto juramento a bandeiras, queimo-as
e à raça e género desafio preconceitos.
não me permito os dogmas de nenhuma religião,
não nasci para obedecer sem questionar.
prefiro a solidão das falésias ao
conforto do rebanho, e em tudo o que crio
tento projectar essa sombra.
esses puros momentos arrancados às garras
da mediocridade, do vazio do quotidiano
em que raiva, dor, desejo, paixão se erguem
num clamor mil vezes superior
ao murmúrio enlouquecedor das horas perdidas
a sobreviver. essas horas cuja mancha
indistinta em que se tornam jamais
permitem ver o meu contorno.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

os murmúrios cessaram com a distância.
a língua rochosa que penetrava o mar,
e na qual eu me sentava, já não mais é
a mesma.

estou ausente da nocturna brisa de verão
que trazia o nevoeiro para me embrenhar
no cheiro a maresia, e sei
que a areia não guardou as minhas
pegadas.

já não almejo o infinito como destino
nem vejo os contornos de terras prometidas
a desenharem-se no horizonte.
lancei o meu desdém ao passado dourado
e olho com sarcasmo
o futuro radioso.

nesta caminhada solitária onde deixo
um trilho de cadáveres a assinalar
a passagem, sei que estarei
para sempre só no trajecto
da descoberta.

esta melancolia será sempre a barreira,
a muralha intransponível, a chaga,
do renegado.

vou deixando os símbolos nestes caminhos
calcorreados na constante incerteza,
carregando a dúvida como única
verdade.

que me acompanha na subida ao promontório?
- ascendo vazio de despojos, sem esplendor,
e na queda não possuo
nem lastro nem pára-quedas.

celebro-me a mim na ausência
de ser eu próprio, rei
sem coroa, divindade
sem discípulos.

e para onde conduz o trajecto
desta diáfana forma de vida
onde todos os destinos parecem rumar
em direcção ao esquecimento apenas
evitável por glórias vãs?...