segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

é uma estranha serenidade,
uma doentia ausência de mobilidade
que dissimula uma raiva demasiado
profunda.
é como uma casa, perfeitamente visível
e por onde toda a gente passa,
sem que nunca ninguém se aperceba
do que realmente ocorre
no seu interior.
uma jaula de vidros fumados
insonorizados e inquebráveis
onde se é destruído à vista
de todos.

é uma distância impossível de descrever
e percorrer,
um caminho onde tu próprio detonas
as pontes que te conduziriam de regresso.
uma fuga sempre em frente numa
ânsia auto-destrutiva por um
abismo.
é uma sensação de tudo querer
e nada fazer,
desejar as estrelas sem antes aprender a dar
um passo.

é a expectativa de um rio a transbordar
espera-se sempre que os diques aguentem
mais um pouco,
nunca sabemos quando virá a
derradeira gota que fará
transbordar a represa.
tem-se o secreto desejo de
ao menos a destruição deixar
memória.

é a voz que se cala, uma e outra vez,
o grito que se deixa morrer
na garganta, até que
se deixa de saber gritar.
são todos os sons que deixamos
desaparecer até
já nem a memória restar.

é a dor dos anos que passam
sem que a imobilidade seja
abalada.
é o desespero que vai chegando,
primeiro de mansinho até
se sentir a sua presença de forma
avassaladora.
é o animal que vai saltando às grades
já ignorando a intensidade com que
se fere.

é a escolha da vítima em sê-lo
porque o carrasco sempre
o será,
é a violência que jaz adormecida
latente
a aguardar o pior momento que comprove
a nossa bestialidade.
é a dolorosa constatação da derrota perante a
vida.

domingo, 24 de janeiro de 2010

as fissuras afloraram à superfície, imperceptíveis de início, mas logo inequivocamente presentes, conferindo, numa primeira visão de relance, uma distinta aura de pintura antiga, uma falsa disposição artística, revelando logo em seguida porém as suas verdadeiras debilidades, a fragilidade intrínseca que já denunciava o colapso.
imóvel, incapaz de se regenerar evitando a desesperante ruína, o edifício desabou num clamor de angústia abrindo caminho à insuportável banalidade do quotidiano humilhante.
das suas alas fugiram o que restava da delicadeza e vontade e o ocupante das ruínas renomeou-se desespero.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

há uma distância enorme medida
pelo comprimento de um braço, pelo toque
de uma mão, o sabor
de um beijo, o som
de uma palavra.

uma distância de muros
invisíveis, gestos contidos
pela densidade da não-
aparente solidão.

uma distância árctica nos olhares,
na falsa altivez com que
nos cruzamos a dissimular
a nossa fraqueza.

há uma distância descrita na
melancolia de um dia
de outono, na trajectória das
folhas
em
queda.

uma distância impossível
de cruzar e que se acentua nesta
fria idade do mundo
neste lugar de olhares
mais longínquos, mais
frios.