quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

sombras ii

as sombras cresceram para lá do que era esperado nesses dias
e, nelas, o silêncio das palavras se deteve
enquanto, à sua volta, as fundações anunciavam
as fissuras que haviam escondido

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

sombras i

naquela noite as sombras tornaram-se densas
alongando a sua forma até ao perfil de uma lâmina
e a memória das noites perdidas
a gritar para o vazio
anunciou o seu regresso

terça-feira, 15 de novembro de 2011

noite. é neste silêncio que eu procuro o som.
naquele momento em que o ruído de fundo sobrevem
e nos apercebemos que, na realidade, não existe silêncio.
aquela hora em que a cidade aparentemente dorme a meus pés
mas emana um pulsar constante.
o pulsar eléctrico de mil máquinas "silenciosas" em funcionamento.
o pulsar dos corpos que, aqui e ali, se buscam e se debatem.
o pulsar de choros refreados, de tragédias pessoais, de desalentos e amargura.
um pulsar grave,... contínuo,... lento...
pudesse um único som resumir a nossa existência e seria
o de uma estrela a ser sugada para o vórtice.
uma força voraz que não atende aos desejos, cega ao passado.
deus?
no vazio o som não se propaga...

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

que a noite te encontre já imersa nas sombras
não temendo o seu avanço
e da música apenas reste
a cadência soturna que, abafada, anuncia o fim.

and may the faintest beams of light
spreading on the shores on an autumn twilight
find you on the beach, warming you,
while you stare into the sea.

porque a hora do fim será sempre sombria
e nada nos resta senão aqui e agora.
e tudo o que quisermos sorrir, dizer e amar
deverá ser gravado aqui.

for there is no god above nor afterlife,
no injust punishment nor eternal reward,
all that may be, you see, is circumscribed
in an arch spreading from birth until the final goodbye.

que a hora esteja distante
mas que não te detenhas na espera...

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

é o silêncio que paira sobre tudo isto.
um silêncio denso. como que uma muralha
que, após ser construída, foi sendo reforçada
ano após ano.
irónica figura de estilo, por nessa muralha
estar na verdade a única saída, a única voz...

é o vazio que domina isto tudo.
um vazio imenso. como se nos sentássemos
no fim do universo e pudéssemos ver
todo o vazio que existe para além.
todo o vazio que nada é, que tudo poderia ser.
estranha figura de estilo, por esse vazio
ser o que na verdade me preenche,
que propaga a minha voz...

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

desço agraciado pelas sombras,
na solitária companhia dos vultos
que o tempo esqueceu.
solícitos na sua compreensão, rejeito porém
os ombros que me oferecem.

nunca estou em paz! nem estes vultos
que comigo ombreiam,
contando comigo para sua memória
vislumbram o opaco vazio que me assoma.

não sou alfa nem omega, apenas a fugaz impressão
de algo que não foco.
um corpo à deriva até passar o limite último
deste sistema
e enveredar pela trajectória do oblívio.
quem era? existiu? nada ficou!...
... ... ... ... ...

sorri, enquanto for essa a tua hora
e a grandeza da tua sombra crepuscular
vencer o mais alto edifício que te acerque.
após isso, resta-nos... nada...

sábado, 2 de abril de 2011

esta é a noite sem sono.
das horas perdidas e do tempo gasto
incapaz de descortinar ou criar algo.
esta é a noite sem destino,
sem vislumbres, voz ou acção.
esta é a noite do silêncio,
quando os demónios se erguem e as sombras
se abatem.

esta é a noite (mais uma noite)
em que a guitarra não soa,
o seu vagaroso timbre a preencher as trevas.
esta é a noite vã.

esta é a noite da profunda apatia,
do insistente roçar na madeira
das unhas quebradas do sonho gasto.

esta é a noite em que vos ouço a dormir
e tento aninhar-me entre o profundo respirar
do vosso sono
e espero, e espero
entrelaçar nos vossos sonhos a memória
do edifício que erigimos em conjunto e espero
que a vossa beleza se entrelace com a minha angústia
e os vossos sonhos se entrelacem com o meu desespero
e um dia, um dia eu espero
que esta noite seja longínqua,
mais em memória que tempo,
e possamos olhar para aquilo que tecemos
e antes do fim da jornada achar
que valeu a pena.

esta é a noite em que sento e penso,
a noite em que não chego a parte nenhuma.
esta é a noite
só a noite
só mais uma noite...

quinta-feira, 24 de março de 2011

hoje as sombras alongam-se e a noite silenciosa
carrega o estertor de casa em casa sem saber ler
na porta a marca dos justos.
hoje o ar adensa-se até um clímax inalcançado
e os sussurros gerarão o grito morto prematuramente.
hoje a vida esvai-se, sangra-se o futuro e contam-se as armas.
hoje a rua em chamas celebrará o fim.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

ouve-me. sou a tua voz, de novo, aquela que te encontra
no contínuo sussurro que não sossega.
ouve-me. é de novo a voz do abismo que te chama.
a tua companhia constante nas descidas ao subterrâneo.
ouve-me. quanto tempo se passou? foram semanas, meses?
tudo se concentra neste momento.
a hora em que a mente divaga, o olhar fixo penetra o vazio
e a mão automática pega na caneta e mancha o papel.
sim, o papel, essa tela onde se imprime a fúria, a incerteza, o erro.
esse quente registo humano, físico como eu, a voz que sussurra.
que observa, que toma notas, que vai tecendo a tapeçaria
na qual te deitas nos teus momentos de grave solenidade, de desespero, de tristeza.
a tapeçaria onde te deitas e sentes todos os seus filamentos
a procurarem contacto com esse corpo, essa mente de onde saíram.
ligação directa ao centro nevrálgico da experiência.
onde a vida se preenche no contorno das cicatrizes que sulcam a superfície
no planalto da loucura.
sim, é do físico que se fala. esta é a escrita da terra.
é a marca impressa na lama seca quando o fogo desvaneceu
a beleza primordial da água e o vento expôs a crueza do solo árido.
ouve-me... eu sou o sussurro que percorre o deserto e te mostra
a entrada da caverna.
ouve-me... e sente na carne a dor dos primeiros passos
quando almejas as estrelas mas a queda te recorda o teu verdadeiro lugar.
ouve-me... envio-te sílabas soltas no vento, embalo-te na água e
seduzo-te no fogo. ouve...
o caminho está para lá das montanhas, nas falésias que o vento
acaricia e molda nas suas investidas.
o caminho está para lá dos oceanos que vêm a aurora.
o caminho está onde tu estás...

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

o relógio marca o compasso opressor do tempo a esvair-se.
sangra-se o tempo que não foi nas saídas mortas do labirinto.
na eterna repetição da hora, no momento desconexo da amarga [contemplação
quando as sombras se distendem e vencem a estatura
da figura que recortam na solidão do plano.
aí, nesse momento de crepúsculo, entre a hora que partiu e a que [chega,
encerra-se o segredo da minha existência.
a ténue fracção de segundo não percepcionada
entre o brilho e o ocaso. o reino da invisibilidade,
o eterno segredo que não precisa de o ser.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

aparentemente imóvel, movendo-se porém a uma velocidade
que nenhum olho consegue percepcionar.
como o padrão no canto de uma baleia, indistinguível
ao ouvido humano.
sempre foi esse o segredo da minha auto-destruição.

movo-me como as placas tectónicas, imperceptível até ao dia
em que nos detemos a admirar a sua transformação e nos [questionamos
como foi possível chegar a este ponto sem que o tenhamos visto.

sou um vírus adormecido até à data da sua furiosa disseminação.
sou um sonho incandescente a tragar mundos
a serem descobertos num futuro remoto.
trago a memória dos dias que não foram,
quando a morte se acercou da criança adormecida
e a beijou na fronte deixando a peste invadir
o virgem sono.
há um túnel onde se caminha de cabeça baixa
e, mantidos na obscuridade, acreditamos na nossa solidão.
um caminho sinuoso do qual não sabemos como sair,
que nos conduz sempre mais perto do coração das trevas,
onde buscamos a justificação para o ódio que nos infligimos.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

o dilacerante desespero do grito ofuscou o brilho do dia
ecoando mudo no plano da mente reconduzindo as trevas
à sua morada habitual e, como que com um sopro,
a paisagem desvaneceu-se deixando apenas a terra estéril.

a mão que desenhava a paisagem deteve-se
petrificando-se num ponto tão vazio
quanto a efémera concretização do desejo.
e, nesse instante perpetuamente suspenso, a noite
alongou-se até a sua vastidão tudo engolir.

na longa estrada que cobre a distância da memória
muitos são os que permanecem perdidos.
e o que somos nós senão a recordação que fica
após o tempo findo?

domingo, 4 de abril de 2010

o nosso traço esbateu-se diluído na incerteza
com que os dias se redesenharam a partir da nossa janela.
o grito que louvávamos emudeceu moribundo
com os últimos ecos a povoarem o lugar da nossa ausência.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Primeira parte de Altar of Plagues


A convite da Amplificasom, dia 6 de Maio farei a primeira parte do concerto de Altar Of Plagues na Fábrica de Som. A minha prestação consistirá numa leitura integral do livro "A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer" da autoria de Stig Dagerman (editado em Portugal pela Fenda). À satisfação enorme em me ter sido feito tal convite, acresce o facto de ir ler este pequeno grande livro, tão importante para mim, de um dos meus autores favoritos. Seguir-se-à o concerto dos Altar of Plagues (verdadeira razão para se aparecer por lá) que, após o excelente "White Tomb" do ano passado, por essa altura já terão editado o seu novo EP, intitulado "Tides", que conterá dois temas que, segundo os próprios, foram inspirados pelo poder e energia do Oceano Atlântico.
Apareçam!

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

não me mostres a memória, o sonho,
a ideia do que eu seria
para lá de tudo o que não sou.

não me recordes a glória, a ânsia
que possuía de vencer
em todas as batalhas em que fui derrotado.

não me lembres quem eu era
para não tornar ainda mais
impossível de suportar quem me tornei.