sábado, 22 de agosto de 2009

há um rosto que eu não reconheço
e que me observa,
de olhos castanhos cansados por horas
não dormidas,
semblante carregado a escrutinar
passado presente e futuro

há um rosto que eu não reconheço
e que me observa
e nos fios do seu cabelo e barba vejo
linhas brancas a redesenharem
um rosto que me observa e não
reconheço
e nos seus olhos agora vejo a cintilar
memórias que nunca viveram,
e o seu rosto endurece denunciado pela saliência
das suas maçãs
e uma fúria cujo olhar sinto a cravar-se
aflora-lhe à pele

há um silêncio que só eu consigo escutar
e que me acompanha
e nesse silêncio estão contidas todas
as palavras que eu escrevi e que nada
mais são que silêncio feito verbo de silêncio
dissimulado

há um silêncio que me acompanha
no rosto que me observa e eu
não reconheço,
um silêncio grande profundo como
se adivinha que outrora foram os seus
olhos,
um silêncio vincado nos lábios nos olhos nas linhas
que redesenham o silêncio branco grave
com a solenidade dos anos

há silêncio num rosto que me observa,
desvia o olhar quando desvio o meu,
que me fita não me reconhecendo
no silêncio da memória...

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

afinal a angústia não cessou com o fim da adolescência,
a desorientação tornou-se regra e os objectivos
foram caindo na areia beijada pelas ondas e o vento

as horas são passadas a tentar travar a sua passagem
como se estivesse sempre presente a voz do personagem que repete
"esta é a tua vida, e está a acabar, um minuto de cada vez"
a percepção do tempo mudou e com ela
a percepção da esperança, da justiça.

a monotonia diária que estilhaça a vontade e abre
subrepticiamente a porta à loucura,
é uma máquina cuja cadência esmaga a fúria

restam seres isolados em casulos vivendo
ilusórias vidas de ecrã rodeados de
nomes fictícios

consideramos arte a mancha escarlate
que corre da intervenção da lámina
no nosso pulso

rendidos à apatia de um não-futuro,
uma não-vida num não-tempo
profundamente sós.